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terça-feira, 6 de outubro de 2020

outubro

setembro mais um, outubro,

literalmente, como agora tanto se diz,

e faz-me pensar, talvez por estranheza ou espanto, 

num animal de oito braços bem fortes

que se mostra da cor do outono quando quer,

espalha tinta em autodefesa, 

pinta como um artista, 

escreve como um poeta

sem esqueleto e sem forma definida

edificando o seu mundo 

de olhos humanos e bico quitinoso,

ostentando uma grande cabeça,

humano demasiado humano, 

perguntando, e se neste mês eclodisse

uma revolução que destruísse o pecado,

varresse a culpa  e apagasse  o ressentimento do mundo?











domingo, 4 de outubro de 2020

Dia mundial do animal - 4 de outubro


Hoje, 4 de outubro, é o dia mundial do animal,  tal denominação  deve-se a uma convenção ecologista ocorrida em Florença em 1931. A data escolhida coincide intencionalmente com o dia da festa de S. Francisco de Assis (1881-1230) católico, amante da natureza e padroeiro dos animais, um dos primeiros ecologistas, visionário, muito à frente da sua época.   Por isso o papa Francisco apresenta-se com este nome em homenagem a Francisco de Assis. Tal é patente na encíclica Laudato Si, cujo nome remete para a primeira frase do «Cântico das Criaturas» de São Francisco de Assis. Vale a pena ver ou rever o filme/documentário de Wim Wenders de 2018, “Papa Francisco: Um homem de palavra” e as referências constantes ao respeito pela natureza e necessariamente pelos animais. Não há dúvida que vivemos tempos em que o cuidado dos animais e a preocupação com a ecologia, com os ecossistemas, a biodiversidade e as alterações climáticas, estão na ordem do dia como inevitáveis e até estão na moda. Para tal desiderato não passar de apenas mais uma moda é importante não deixar cair no esquecimento a defesa do respeito pela natureza e também dos animais, que são também, as causas humanas e por isso impreteríveis, daí a importância desta data.
No entanto para tudo isso fazer sentido é necessário pensar o porquê desta necessidade cada vez mais urgente do respeito pela natureza e pelos animais. 
Estes temas não são de hoje e já há muito tempo,  por exemplo, Jeremy Bentham (1748-1832) filósofo inglês que defendia que o estatuto moral de um ser depende da sua capacidade de experimentar dor ou prazer (senciência) e não da racionalidade, foi dos primeiros a advogar os direitos dos animais. Há também alguns pensadores vivos,  influentes, que vale apena ler ou reler, concorde-se ou não com eles, tais como Tom Regan, em cuja obra principal, The Case for Animal Rights, 1983, defende que todos os animais, humanos e não humanos têm valor intrínseco por serem sujeitos de uma vida e por isso merecem todo o respeito; daí que os direitos dos animais e os direitos dos seres humanos estejam, para este autor, no mesmo patamar ou grau de importância. Outro pensador não menos influente é Peter Singer, autor da obra, A libertação Animal, 1975, onde defende que o princípio de igualdade deve ser aplicado tanto aos seres humanos como aos animais, no que se refere à proteção dos seus interesses. Também um outro autor, creio que igualmente influente, Carl Cohen, versa sobre os direitos dos animais, principalmente para demonstrar que eles não têm direitos, embora defenda que temos a obrigação moral de não os tratar cruelmente. 
Mais do que tomar uma posição ao sabor da espuma dos acontecimentos mediáticos, na onda da moda, é determinante que  todos pensemos estas questões com a calma  e profundidade que elas exigem e não fazer do dia do animal um dia de exaltação do ego que pode nada ter a ver com o respeito que os animais, de facto precisam e  merecem.

domingo, 27 de setembro de 2020

setembro

Setembro tem nome de número,  sete,

e é o nono porque março já não é o primeiro.

Foi neste mês dos arcanjos que vim ao mundo,

e dos dias dos meus anos de há muitos anos, 

recordo bem dois deles:

quando perfiz nove e quando atingi os doze.

Aos nove, no dia doze, houve direito a bolo 

com pauzinhos de fósforos a imitar as velas

para eu apagar e  parabéns cantados que, no final,

me deixaram num vale de lágrimas de alegria.

Aos doze o ar era quente, o dia claro, antes de almoço,

eu e os meus queridos irmãos,  na apanha das

passas de figo nas terras a que chamavam chãs.

Aparecem uns tios meus à entrada da aldeia, 

vindos da terra dos fenómenos, com a filha

falando, casas hoje os anos, doze a doze, parabéns.

Trago sempre comigo aqueles momentos,

com os meus sete irmãos e a minha mãe 

que andava lá por perto com o meu pai que já morreu.

 Esta memória é tão forte que me arrepio todo,

éramos felizes juntos e quase não dávamos por isso!



quinta-feira, 3 de setembro de 2020

ACORDAR


Vejo onde os pássaros cantam
na oliveira mais próxima e a estrada
calcorreada pelos camponeses
tisnados do pó solto da malha do cereal na eira,
a prenda de aniversário dos (três anos?),
um tratorzinho de plástico com que
brincava a lavrar a terra do quintal
da casa onde nasci, as casas vizinhas,
pequenas, bonitas e caiadas,
o azul oceânico, claramente visto, da praia da
Nazaré, (a primeira vez que vi o mar),
a escola da minha segunda aldeia
com a velha oliveira que ainda lá se encontra,
sítio da berlinda onde os segredos se revelavam,
lugar dos primeiros processos inquisitórios
a que assisti, ali aprendi que as crianças
não são tão puras nem tão verdadeiras
como me inculcaram na catequese
e que a vida não é tão fácil como parece,
mas pode conter grandes amizades.
Depois, as escolas da vila, a biblioteca,
o papo-seco com marmelada e o café com leite
a meio das manhãs de agitada aprendizagem,
a alegria das alegrias, aquela menina que
nos intervalos das aulas mostrava a caixinha
dos bichos-da-seda envoltos em folhas frescas
com um sorriso nos olhos que fazia tremer o mundo.
Subitamente abrem-se-me os olhos e começo,
como é hábito, a embriagar-me de lucidez
para enfrentar o dia, não perco a expetativa de
amanhã de manhãzinha acordar assim,
espantado com a existência de tudo, agora é
urgente lavar os olhos e beber o café,
vamos fazer-nos à estrada, a vida não pára.
©PR
Foto: oliveira no recreio da minha escola primária.





terça-feira, 1 de setembro de 2020

agosto em Campo Maior

Respiro a gosto, 
o azul vivo, o ar puro da manhã 
e a clara luz  do imenso Alentejo,
neste campo que é maior.

Na dourada planície, 
em arbóreas sombras,
ofegantes ovelhas,
a quem o velo furtaram,
por água fresca suspiram.

À tardinha, recolhidos, 
os pássaros dos verdes ramos
de frondosas árvores,
talvez namorando, 
rumorejam sonhos, 
porventura mais felizes, 
para setembro.

Encanta-se-me a alma,
nas veredas da avenida,
com a alegria à solta 
das crianças saboreando 
gelados de ternura 
oferecida  pelos avós.









sexta-feira, 17 de julho de 2020

julho

Julho de imperial ambição
cuja efígie no denário se impõe,
leva ao amor em todo o coração
e em toda a alma e em todo o entendimento,
amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Pague-se a   César o que é de César,
pague-se a Deus o que é de Deus.
Em julho amor com amor se paga
porque há tempo para tudo, longo mês,
grandes dias, infinitas perguntas.
O que é o amor? Quem sou eu?
E dou por mim a dar o que não tenho,
palhaço de mim mesmo, incompleto,
dependente, a correr da vida, como
uma lagartixa que foge de quem lhe cortou
o rabo que salta na terra quente sem regra.
Julho dá o pão e o gorgulho,
aremos e fiemos, pois, e ouro criaremos.
Mas para quê tanta riqueza,
se o essencial é invisível aos olhos?
Além, mais além, há ilhas floridas,
águas frescas, vento soprando, trigo limpo,
danças, quadros vivos de Matisse,
confinamento verde, azul, laranja-terra,
num turbilhão louco de mãos dadas,
nus, como no paraíso perdido inicial.
Em julho tão quente e tão perto,
tão simples e tão certo, leva-me contigo
a ver as estrelas das planícies
e a tremer de encanto com o canto das aves.




terça-feira, 7 de julho de 2020

junho


Cálidas aragens, 
nos arraiais e romarias,
amores afoitos e ousadias,
acanhadas as noites, não os dias.
Meio ano vencido,
outra metade para sonhar,
trabalha a formiga
enquanto nos encanta a cigarra,
com o seu cantar.