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sábado, 25 de outubro de 2014

ciência e filosofia

1      Os cientistas de hoje não têm que percorrer todos os caminhos de investigação que os seus antecessores trilharam para compreender e aceitar legitimamente as suas conclusões. Todo o trabalho pioneiro efetuado, por exemplo, por Galileu no século XVII, para concluir tanto a lei da gravidade como o movimento da terra, é facilmente corroborado ou confirmado a partir de experiências agora simples e já quase do senso comum. Partem para novas aventuras de descoberta baseados em conhecimentos universalmente aceites na comunidade científica. A ciência para além de um processo complexo de investigação baseada na relação entre a experiência sensível e o pensamento, recorrendo sistematicamente a métodos empíricos, é, também, uma acumulação de conhecimentos contextualizados que podem ser consultados por quem quiser. Os problemas da ciência do século XXI não são os do século XVII ou XVIII, são aqueles que correspondem a novas interrogações determinadas pela observação de novos fenómenos e  resolvidos dentro de novos paradigmas.

      A filosofia, etimologicamente o amor à sabedoria, apresenta como problemas essenciais questões para as quais não é possível uma resposta universal. Saber o que é a justiça, o bem, o belo, qual a melhor forma de governo, qual o valor da ciência, a origem do conhecimento e os seus limites, é o resultado de um caminho coletivo mas também individual, de reflexão aprofundada, que nem sempre se traduz em conclusões aceites universalmente. O itinerário ou caminho filosófico tem de ser meditado e refletido individualmente para que haja uma compreensão de tudo o que de essencial foi pensado e assim se poder criar um pensamento novo alicerçado na crítica sempre necessária. A filosofia tem com certeza os seus êxitos, por exemplo, Sócrates na antiguidade fundou a ética que é tão necessária hoje como era há dois mil e quinhentos anos. Mas como os seres humanos vivem em contextos diferentes terão de pensar e repensar as respostas à luz da sua vida, aqui e agora, e as soluções para os problemas, para além de serem individuais, são coletivas, mas não podem fugir à história ou à época em que se inscrevem. Quem não meditar sobre a filosofia do passado não consegue ter dela nenhum proveito, ao passo que quem acreditar com compreensão nos resultados da ciência pode perfeitamente usufruir deles. Fruir a filosofia é fazer filosofia, fruir a ciência não significa necessariamente fazer ciência, mas antes compreendê-la e aproveitar as suas respostas.

atração irresistível

1                  A filosofia como atração irresistível pela sabedoria, como tentativa sempre inacabada de perceber o porquê da “impotência e do desconcerto, da surpresa e do espanto”, leva-nos a uma experiência inolvidável em que constatamos que “o âmbito do possível é mais vasto do que o da necessidade”. Cada um de nós tem sempre pela frente, a cada momento, um abismo, a hipótese de um salto para o desconhecido e,  por isso, tem que decidir sempre. A necessidade mostra-nos o que é imperioso que seja, é a diretora da nossa existência e encontra-se imersa na imensa rede da possibilidade. Pela filosofia apercebemo-nos que o nosso horizonte de possibilidades, o domínio do possível, é infinitamente maior do que o domínio da necessidade.         De facto, à volta de cada escolha nossa, há um conjunto ilimitado de outras escolhas possíveis que não realizamos. Contudo,  optamos apenas pelo necessário, por aquilo que nos define essencialmente como seres humanos e, na verdade, é isso que fazemos, a nossa existência não é mais do que a realização de escolhas necessárias à nossa singularidade, ao nosso “eu”. Tal só é possível porque de quando em quando somos interpelados pela consciência da nossa incapacidade em resolver ou compreender certos problemas, pela surpresa que sentimos ao percecionar o mundo de forma diferente da habitual e pelo espanto que nos mostra o mundo na sua estranheza e no seu mistério.

inquietação

1    “A filosofia é uma inquietação posta em prática” (1). Significa que sem inquietação não há filosofia. A inquietação manifesta-se através do desassossego. Contudo esta intranquilidade só acontece quando nós saímos da nossa zona de conforto, quando nos espantamos com o mundo e somos capazes de fazer perguntas como “porquê o ser e não o nada?”. Mas a inquietação posta em prática significa, para além do encontro com as questões, um caminho de respostas a essas perguntas, significa viver respondendo-lhes existencialmente, produzindo um pensamento, conjunto de respostas que dão sentido à vida e que nos devolvem ao estado, sempre efémero, de tranquilidade, seguido da inquietação que nos levará de novo à reflexão, a inquietação posta em prática.                                                                                                                                                                                                                                                                       (1) D. Innerarity, A Filosofia como uma das Belas Artes, Teorema, 2007, p. 25