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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

o parafuso de Arquimedes



    Arquimedes, segundo reza a lenda e a história, terá descoberto a lei da impulsão dos corpos e inventado o parafuso a partir de um plano triangular enrolado, uma ideia simples. Teria como função primordial elevar o nível da água com um movimento rotativo. É um objeto singular, não tem princípio nem fim, por isso também é conhecido por parafuso sem fim. 

    Foi também Arquimedes que terá dito, dai-me um ponto de apoio e levantarei o mundo, pensando possivelmente numa outra máquina simples, a alavanca. Esta é apenas um instrumento e carece de um ponto de apoio bem firme. Arquimedes sonhava com um mundo de um outro nível e bastante contribuiu para isso: lei da impulsão, alavanca, parafuso.

    Com o avanço da história os pontos de apoio mudam de natureza e de firmeza, tal como mudam as pessoas, assim como muda a própria mudança. Por isso o dia seguinte não pode ser um problema irresolúvel porque a vida não é um meio para atingir fins exteriores a si própria, basta-se a si mesma e pode subir de nível tal como o parafuso de Arquimedes, não tem princípio nem fim e gira incessantemente.

domingo, 20 de janeiro de 2013

alegria da caverna


http://tabuinhadethot.blogspot.pt

havia uma caverna

num mundo antigo
no meio de uma cidade
que se chamava república.
em tal concavidade 
bruxuleavam chamas 
de uma fogueira
que ninguém via,
sem nunca se consumir.

de costas para o lume
agrilhoados de pés e mãos
homens, desde sempre,
olhavam as sombras 
de outros homens 
que não conheciam
que não existiam,
bonifrates, títeres.

eis que um prisioneiro 
se desenvencilhou 
das ditas grilhetas
e subiu a íngreme ladeira
e avistou tudo 
o que o sol ilumina.
voltou para trás
na ânsia de salvar
os seus companheiros.

mesmo agrilhoados
mataram-no de morte violenta
sem dó nem piedade
como se ele fosse
todo o mal da cidade.
fizeram uma festa,
e assim aconteceu
a alegria da caverna.

domingo, 13 de janeiro de 2013

estrelas

é noite fria
as nuvens deslocam-se para leste
à velocidade do vento
tremo de frio, as mãos engadanhadas
sirius, alpha centauri, canopus e vega
e tantas outras, miríades de estrelas
bem lá no alto inacessíveis

eu aqui na terra olhando para elas
e para os outros astros errantes
numa intenção de saber.
olham para mim
sabem que tremo? sabem que as quero?

não lhes chego, nunca as alcançarei
mas sei que estão lá
creio que são minhas irmãs
filhas do mesmo pai e da mesma mãe.

hei-de morrer muito antes de qualquer uma
mas para além da minha finitude
basta-me saber que são imortais
que jamais me abandonarão.

quando me sinto perdido
são elas que me indicam os caminhos
com a sua lucidez a percorrer-me as entranhas
a sua assertiva existência a dizer-me
incessantemente que a vida é caminhar

por isso as amo num amor tão estável
que me espanto todas as noites
como a criança que vê pela primeira vez
um qualquer bicho esquisito
nos sonhos das dores do crescimento.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

vénias




todos os dias faço uma, duas e três vénias
à minha laranjeira que é muito rica,
é evidente que é por respeito
pela natureza - justificação metafísica.

descobri na laranjeira, para além dos frutos cor de laranja,
uma teia lindíssima, tão espetacular que até me assustei,
ostentava gotículas de água cintilantes, 
nas sua linhas geométricas equidistantes do centro.

chamei os meus filhos para apreciarem tal obra de arte
creio que se extasiaram, tal como eu,
mas não deixaram de perguntar onde se encontrava a aranha,

respondi que dormia, escondida num recanto de um ramo,
à espera que o sol secasse a teia para depois tomar
o pequeno almoço, inseto apanhado na armadilha, 
por deslumbramento ou falta de cautela.

fomo-nos embora e lá deixámos a obra de arte.

hoje cedinho, enquanto fumava um cigarro
quis extasiar-me novamente e olhei para o mesmo lugar
através da branda luz refletida pelas trémulas folhas verde-laranjeira

e não encontrei teia nenhuma, procurei, procurei e
para me deleitar com a obra de arte
tive que fazer uma introspeção e encontrar na consciência
os vestígios de tão belo objeto - beleza metafísica.

fehei os olhos e deliciei-me
com a beleza que está dentro de mim 
e que eu não criei.

o cigarro acabou e ao deslocar-me  para a sala de estar
fiz de novo uma e outra vénia à minha laranjeira
e perguntei-me, porquê estes gestos exatos e ritualizados?

cheguei a uma extraordinária conclusão:

não gosto de dar cabeçadas nas laranjas!

neurónio transcendental



não há um único dia em que tudo esteja bem
uma só hora de felicidade universal
um simples minuto de fulgor do ser aí
um segundo que seja de epifania consistente

e ainda há quem acredite num criador
todo poderoso, todo bom, todo e tudo
vá-se lá saber porque é que existe a transcendência
ou se o que há não é apenas o neurónio transcendental

feliz




feliz aquele que decidiu
fazer da vida um devaneio
e que ainda lhe pagam para
exercer a sua loucura

um louco é um lúcido
numa lucidez tão grande
que não chega a sentir
o que os outros sentem

por isso, por  ser demente
é absolutamente livre
e não há peia ou cadeia
que de algum modo lhe sirva

é medida de si próprio
impróprio para consumo
sem amarras ou grilhetas
fora de toda a alienação