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sábado, 12 de novembro de 2011

O riso

O riso é um fenómeno contagiante. Do ponto de vista fisiológico rir é mais económico do que chorar ou mostrar má cara. É necessário ativar menos músculos faciais par rir do que para ser mal-encarado.

Mas de onde nasce o riso? De que é que nos rimos?
O riso origina-se sempre, à exceção dos estados neuróticos, a partir de situações cómicas. O cómico é a causa e o riso o seu efeito. Fora do humano não há cómico.
Segundo Bergson, filósofo francês da primeira metade do século XX, o maior inimigo do riso é a emoção. Para ele, numa sociedade de inteligências puras, provavelmente deixaríamos de chorar, mas talvez continuássemos a rir. Rir é um ato inteligente. A insensibilidade ao cómico e a falta de humor, mostram idiotice e incapacidade de relacionamento saudável. O riso é, assim, um fenómeno individual e social necessário.

O riso também tem uma história. No filme de Jean-Jacques Annaud, "A Guerra do fogo", que retrata um período na pré-história e dois grupos de hominídeos, a tribo que sabia rir apresentava maior avanço no processo civilizacional.

Contudo, quando alguém ri, ri de si próprio, quando ri do outro, esse outro é um alter ego. E ri apenas num contexto cómico: onde atuam as forças do mal que desorganizam, desintegram, descontrolam. Rimos do mal que existe em nós e esse riso é uma tentativa de o exorcizar, de o arrancar às entranhas, de o projetar no exterior e de o incubar num bode expiatório. Rimos do mal, mas não do mal radical, este assusta, destrói em absoluto. Obélix, o carregador de menires, combate violentamente os súbditos de César mas não os aniquila. Os romanos hão-de fugir, restabelecer-se e voltar numa outra altura.

O riso ajuda a destruir o medo. Quem nunca ouviu falar do riso do diabo? O diabo nada receia, corajosamente desobedeceu ao todo poderoso Deus bíblico. Daí que na idade média os monges não fossem autorizados a rir. No livro "O nome da rosa" de Umberto Eco diz-se que "um monge não deve rir (...) o riso é um sopro demoníaco que deforma os traços da face e faz com que os homens pareçam macacos. O riso mata o medo e sem medo não há fé. Porque sem medo do diabo já não há necessidade de Deus".

Rir é afirmar a liberdade, é ultrapassar a barreira do medo. Rimo-nos do mal, mas nunca do mal radical. Este destrói absolutamente, mata e fulmina a memória.
A memória é a luta do homem contra o esquecimento, é a luta do homem contra o poder. A relação entre os homens só será verdadeiramente livre se o riso nunca for reprimido. Em qualquer contexto, por mais formal que seja, poderá haver sempre lugar para uma pausa em que o riso se manifesta. Não foi por acaso que se inventou a máscara. Ela protege o autor da risada e é  um modo político-social da permissão do riso.

Rir é também criticar, tem como correlato um estado de liberdade sem medo que abre caminho à reflexão e à meditação. Rir é duvidar, a dúvida é o princípio do pensamento. Se o homem é um animal que ri, então é necessariamente um ser pensante. Por conseguinte é levado a procurar a verdade. O riso é, pois, a causa e o efeito de uma atitude filosófica. Através do riso vencemos preconceitos, tormentos e obsessões e acedemos a uma energia ainda inexplorada. Por isso o riso é saudável, conduz-nos sempre à calma e a um estado reconfortante que dá sentido à vida.