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quinta-feira, 25 de julho de 2013

culpa

a segunda invenção
mais poderosa
logo a seguir à culpa
é o pecado
quem o inventou e o incutiu
desejou secretamente
dominar os outros

daí à guerra santa
vai um passinho

dignidade


os pobres podem comer 
carne de cavalo apreendida pela asae, 
autorizada pelo ministério público
com o beneplácito do governo
beef lasagne special price
os ricos não querem ingerir gato por lebre
os pobres não podem ter preconceitos
estereótipos alimentares
os ricos esses sim
têm para além do direito aos direitos humanos
o direito a carne de vaca verdadeira
porque os ricos têm muito dinheiro
e o capital, como é lógico
compra toda a carne
todo o tipo de músculo, de febra
para os pobres há as instituições de caridade
diz-se agora de solidariedade
almôndegas, canelones, hambúrgueres
nomes finos para gente grossa
por que não de cavalo em vez de vaca
não há cavalos santos mas há vacas sagradas
e agora, para quem é cavalo basta
os ricos querem cavalos mas para andar a cavalo
e quando não, gostam de cavalgar os pobres
mas cuidado, os pobres não são cavalos 
para serem cavalgados e há-de haver um dia
em que esses governos, máquinas de fazer pobres
se hão-de estampar contra a realidade
porque os pobres não têm dinheiro
mas têm dignidade.

terça-feira, 16 de julho de 2013

espada de Dâmocles


 Pintura de Richard Westall (1812)

podem servir-nos
em taças de oiro
o néctar e a ambrósia
no chalé da Riviera francesa
podem prometer-nos
a felicidade individual
o paraíso na terra
as eternas primaveras
todas as mensagens
de esperança
o fechamento absoluto
da caixa de pandora
as curas de todas as doenças
a descendência mais forte
e mais terna
o cuidado dos desvalidos
não acreditamos:
a espada de Dâmocles
sempre esteve presa por
um fino fio de cabelo




segunda-feira, 15 de julho de 2013

pão e queijo

Pão de mafra 6.jpg

Resultado de imagem para queijo
novas palavras
músicas do mundo
beijos e abraços
pelas veredas 
das florestas
de mãos dadas
tão simples
como a navalha de occam
que corta a direito
o pão e o queijo
que me trazem à lembrança
o trigo e as cabras
as espigas e as ovelhas
as foices e as vacas
e as noites de luar
nas pastagens e nas searas

sexta-feira, 12 de julho de 2013

labirinto




tenho a impressão
imprecisa
cinzenta e parda
de que o mundo não é
como o vejo 
poderá ser outra coisa
talvez uma força escondida
fantasma
serpente que desliza
por entre os tojos
sem ser vista, 
escorpião
que ferra tenazmente
quem o pisa
amor que escorrega 
como uma enguia
das mãos do pescador

a realidade não fede
simula, reflete-se
no espelho do mundo
engoda e espanta
no sono e na vigília
no amor e no ódio
no estertor e nas horas
felizes da vida
procuro-a
às voltas
no labirinto do minotauro
qual teseu desmemoriado
pelo amor ofuscante de ariadne

sexta-feira, 5 de julho de 2013

apagogia

as coisas transfiguram-se

como crisálida
em borboleta  

como óvulo e espermatozóide
em zigoto

como homem e mulher
 em amor

como homem e homem
em amor

como mulher e mulher 
em amor

como  mentira
em verdade 

como flor 
em fruto

o amor é possível
porque o amor é impossível