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domingo, 29 de julho de 2018

Viagem

Habitamos um planeta  
que se desloca, em cada hora que passa,  
à volta do sol, a cento e sete mil quilómetros 
e, sobre o seu próprio eixo,
na região do equador,
a mil e setecentos quilómetros.
A Terra acompanha todo o sistema solar, 
em direção ao centro da galáxia, 
a cerca de um milhão de quilómetros por hora.
Somando estas distâncias, 
obtemos o belo resultado de um milhão 
cento e oito mil e setecentos quilómetros.
Numa hora apenas!
E sem pagar bilhete.
Não nos podemos queixar  
de viajarmos pouco.
Vale sempre a pena fazer contas à vida.
Descobrimos que somos grandes viajantes e,
queiramos ou não, percorremos juntos o universo.
Já que é fácil reconhecê-lo,
porque não fazê-lo de mãos dadas?



quarta-feira, 25 de julho de 2018

Intervalos


Somos intervalos entre dois momentos: 

nascimento e morte.
Antes e depois só o tempo infinito.
Verdade? Talvez ilusão.

Quantas atrocidades já se cometeram 

em nome da verdade?

Quantas vidas se ceifaram, 

quantos livros se queimaram,

quantas crianças não chegaram a ser meninos,

quantas florestas arderam,

quantos amores se desencontraram,

quantos paraísos se perderam?
A verdade, mesmo ilusão
não é  como as outras,
pontualmente pode ser  correta.

Mostra-nos o infinito do que há em nós.

Dá-nos no momento preciso e de mão beijada
a consciência da nossa infinita pequenez.


terça-feira, 3 de abril de 2018

A COR DO AMOR


O amor é da cor 
do chocolate surpresa 
aveludado como a tua pele.
É amarelo vivo 
seara de vento,
azul pássaro 
na crista do dia.
É verde pérola 
como as ondas do mar,
vermelho romã, 
vermelho paixão, 
vermelho pôr-do-sol.
É da cor da caminhada,
a quatro pés,
em baixo relevo esculpida
na areia  branca de espuma,
da cor do arrepio  
ao final da tarde,
à hora das gaivotas.
Cristalino como a sublime 
visão do horizonte 
no incomensurável brilhozinho
dos teus olhos 
quando a noite amanhece.
É  da cor do verso branco
encarnando a liberdade
e do beijo inevitável,
sonhado e realizado.
É o amarelo sombra das mãos
enlaçadas sob o sol
que adivinha a primavera.

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Sagração da primavera


A primavera merece 
a sagração incondicional,
justifica-se porque é tão bela 
como o brilho dos olhos 
espantados pelo azul 
do mar, do céu, das estrelas 
e dos amores perfeitos,
aturdidos pelas infinitas cores 
de outras inefáveis flores. 
A primavera é tão vivaz 
e incrível que até assusta,
transporta-nos às origens
e faz-nos respirar o silêncio
dos elementos primordiais, 
terra, água, ar e fogo.
A primavera é o pináculo 
da existência, do sentido de tudo,
ela é a parte visível da beleza
que sustenta a vida, 
a expressão das fundas raízes
que lutam na clandestinidade
para que a beleza seja de todos.
A primavera merece todos os ídolos,
todos os deuses e deusas
preces, rituais e celebrações.
A primavera é a epifania
da natureza pura 
e não tem explicação,
é a razão de ser do próprio coração.
©PR 



segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

perfeita religião

     Nada posso fazer ontem ou amanhã, só agora. O presente é o tempo real. O passado e o futuro são tempos da alma como disse o filósofo Agostinho. A alma nada parece, é uma expressão do corpo, espírito ou pensamento que se apaga quando o corpo morre. Predispõe para o amor. Mas não se ama o que não se conhece e para conhecer há que viajar. Viver a vida intensamente. Percorrendo caminhos várias vezes, tantas quantas as possíveis e nem sempre no mesmo sentido, à segunda passagem já se é outro e percebe-se tudo ao contrário e assim compreende-se melhor quem vem em sentido inverso. Há que visitar os lugares onde já se esteve, reler os velhos livros, rever os velhos filmes, escutar as velhas músicas, visitar os velhos amigos. 
     A mesma estrada tanto sobe como desce. Pelo mesmo caminho tanto podemos subir aos céus como descer aos infernos. Cada coisa é seu contrário, cada moinho é um gigante, cada gigante é um moinho, por isso é essencial viajar ora de Rocinante ora de burro sem nome como Sancho Pança fiel a D. Quixote ou como Jesus a fugir de Herodes, fiel a si próprio. É no significado da insignificância vivida que se encontra a ligação religiosa com o mundo. Religião sem ídolos ou heróis e sem deuses pela qual nos ligamos a tudo plano ou curvo, alto ou baixo, próximo ou distante. Religião (do latim religare ) aos outros que falam uma linguagem compreensível porque há raízes que se tocam. Religião (ligação) que não nega as religiões dos outros, antes as respeita, apresentam similitudes: fundam-se no mistério da vida e do mundo, no sentimento da ignorância e da infinitude do universo.