A VIDA E A MORTE (1916) Gustav Klimt
um dia um de nós sentirá o vazio
de nunca mais falar com o outro,
seremos nada em simultâneo
talvez a triste alegria seja sentida
pelo fim do sofrimento de quem foi primeiro,
a certeza final da cristalina verdade
depois da realização de todas as ficções.
as nossas mortais células apodrecerão.
o tempo, tão breve quando conversamos,
permanece misterioso.
caminhamos lado a lado, falando, rindo,
jogando palavras um ao outro,
como crianças passando a bola,
existimos, ultrapassamos o nada que nos foge.
seja o que for o futuro, agora apenas imaginado,
tão bom é conhecer-te,
quando caminho em qualquer lugar para parte nenhuma
não consigo deixar de indagar se não estarás por ali,
todos os sítios do mundo são bons para te encontrar,
o teu corpo persegue-me ou sou eu que o persigo,
não sei, não posso querer saber,
não sei querer, tudo o que quero ou não quero acontece,
e lá, linda como sempre,
no cenário que descubro por acaso,
sorris, com um sorriso de olhos doces,
suave teu rosto quente e tuas mãos
folheando cartas de amor espinhoso
como as rosas da roseira do meu pedaço de planeta.
no meio da literatura que me distrai,
pretexto do marulhar que me lança na vida,
há horas em que não te perceciono
e apenas te encontro na memória,
mesmo assim tudo faz sentido
nesses flamejantes momentos
onde se encontra o sentido
do que parece não ter sentido nenhum,
árvores despidas, urzes do campo,
acácias floridas e calor das fragas,
dando alento aos nossos passos
em direção às montanhas
fustigadas pelo vento, para sempre.