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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

incerteza e relativismo

O século XXI iniciou-se na senda da incerteza. A incerteza é a origem da insegurança. A insegurança gera medos, fantasmas e previsões de apocalipses. A incerteza é também o lastro do relativismo. No relativizar constante há sempre um apelo ao contexto. Vive-se muito no mito do contexto que Karl Popper justamente denunciou. Se o contexto não permite legitimar nenhuma forma de violência, que, fenomenologicamente, é um conjunto de factos, também não permite justificar nenhum outro facto por mais primoroso que seja. A quebra da  certeza pode gerar feitos revolucionários. Quando Galileu, no século XVII, apontou o telescópio para os céus e percebeu que os astros não eram esferas perfeitas e que o mundo aristotélico-ptolemaico não passava de uma ilusão, deu origem a um novo sentido da palavra revolução. Até aí revolução significava apenas um movimento circular de 360 graus. 
Na escola primária todos aprendemos o significado dos sólidos de revolução: cilindro, esfera, cone. Estes sólidos obtêm-se pela revolução completa de um plano ou de parte de um plano, que os desenha no espaço. 
A palavra revolução passou, então, a ser aplicada também ao planeta Terra, porque Galileu descobriu que esta se movia. A autoridade religiosa percebeu que Galileu pôs em causa a sua suposta infalibilidade. Lembremo-nos que ainda hoje vigora o dogma da infalibilidade da palavra do Papa. A palavra revolução passou, a partir do século XVII, a ter um significado político e social que até aí não tinha acontecido. Por isso o mundo, historicamente, passou a ser interpretado como uma sucessão de revoluções e de processos mais ou menos estáveis entre essas mesmas revoluções. Ser revolucionário significa trabalhar consequentemente para uma inversão dos valores e da realidade, tanto nas ciências como nas políticas. Pode dizer-se que a crise de 1383-85 em Lisboa foi uma revolução, que o 25 de abril de 1974 foi uma revolução, que a descoberta da lei da gravitação universal foi uma revolução e que a decifração do genoma humano também foi uma revolução. Revoluções político-sociais e revoluções científicas. As revoluções são sempre períodos de grande turbulência que começa por ser sempre turbulência mental e acaba por ser  social. Por conseguinte as chamadas ciências humanas como a história, a psicologia, a sociologia e a antropologia são, no século XXI, determinantes para uma compreensão cabal do mundo globalizado.

As principais descobertas científicas do final do século XIX e do século XX trouxeram mais incerteza e mais relativismo. Não porque não ajudem a compreender mais e melhor os meandros do universo, mas porque não foram suficientemente trabalhadas pela educação e pela cultura. Progressivamente veio a verificar-se que o universo é hiper-complexo e que à medida que se avança no conhecimento, mais depressa se avança na consciência da ignorância. Por outras palavras, quanto mais se sabe muito mais há para saber.

Charles Darwin (1809-1882) com a teoria da origem e evolução das espécies, colocou o homem no reino da natureza, tornou-nos definitivamente semelhantes aos macacos e destronou a ideia de homem deificado, criado à imagem e semelhança de Deus, quase omnipotente e omnisciente. O homem saiu do seu pedestal e ganhou pés de barro.

A tectónica de placas (1915, Wegener) fez-nos compreender que habitamos um planeta que não só se move no espaço como tem superfícies que se movem. O nosso planeta deixou de ser um lugar "seguro", está em constante mudança geológica.

A teoria da relatividade geral (1916, Einstein) permite-nos compreender que o espaço e o tempo são moldados pela matéria e pela energia. Estas são duas faces da mesma moeda. Matéria e energia são reciprocamente convertíveis. O espaço deixa de ter o carácter tridimensional, homogéneo e isotrópico e passa a ser uma entidade a que podemos chamar espaço-tempo, estudada pela física agora identificada com a matemática. A distância mais curta entre dois pontos deixou de ser uma linha recta, a velocidades muito próximas da velocidade da luz (cerca de 300 000 Km/s) a dimensão tempo quase desaparece, a soma clássica das velocidades já não é válida, etc.. O turbilhão mental provocado por estes novos paradigmas explicativos leva-nos a relativizar praticamente tudo e é ao mesmo tempo propiciadora de pânico. A energia nuclear para fins pacíficos e militares só foi possível depois do trabalho pioneiro de Einstein, ela tornou o nosso mundo mais inseguro, mesmo contra a vontade dos cientistas com ética, como parece ser o caso do descobridor da fórmula E=mc2.

teoria do Big Bang (1927) segundo a qual o universo teve um início e provavelmente não vai ter um fim, dado que se encontra em expansão.  É extraordinariamente difícil  ou impossível compreender como é que tudo se gerou a partir dum ponto infinitamente pequeno que originou tudo o que existe, desde o vazio até à massa-energia e ao espaço-tempo.

A teoria quântica (1926) de Bohr, Heisenberg, Schroedinger e outros, que nos permite perceber como é que os seres humanos e todo o universo são formados: de moléculas e átomos, e estes, por sua vez, de partículas sub-atómicas. Lembremos o princípio de incerteza de Heisenberg, que também, por extrapolação, pode ser aplicado às chamadas ciências humanas: é impossível determinar com exactidão a velocidade e a posição de uma partícula sub-atómica, por exemplo de um electrão. A realidade só pode ser conhecida teoricamente. Não é possível conhecer, como já afirmara Kant, as "coisas em si", como se elas não fossem observadas. A observação altera os fenómenos observados. O que quer que seja a realidade, não o sabemos, e provavelmente nunca viremos a saber, mesmo a chamada realidade social e humana que, aparentemente, é de todas  a mais complexa.

A estrutura do DNA (1953), decifrada por Watson e Crick, trouxe-nos uma ideia de como funciona, na intimidade, a transmissão hereditária, mas ao mesmo tempo permite a manipulação genética que gera cada vez mais insegurança do ponto de vista político- social. O apuramento das espécies, a clonagem e a eugenia já andam por aí com eficácia crescente.

Lévi-Strauss (1908-2009) formulou a teoria do interdito do incesto a que corresponde a exogamia como laço social primordial, no domínio das ciências das sociedades. Mostrou-nos que o "parentesco" está no centro da Antropologia que estuda o homem na sua dimensão social: as regras de aliança, de filiação, de residência ou de perpetuação das populações. Há factos humanos de natureza simbólica com formas invariáveis em contextos diferentes. Por isso percebemos que, para além das diferenças culturais, há estruturas humanas universais comuns a todas as culturas. Esta evidência não é suficiente para afastar de vez práticas "culturais" eticamente inaceitáveis como a excisão do clítoris.

 Sigmund Freud (1856- 1939) deixou-nos a teoria tópica das pulsões. Criador da psicanálise, mostrou-nos que grande parte do comportamento escapa à racionalidade e que o homem singular é dominado por forças ocultas que desconhece e que não controla. Freud conseguiu instalar-nos definitivamente no pessimismo, a natureza humana é capaz dos maiores prodígios mas também dos maiores horrores, ela é dominada pelos mecanismos de defesa do ego e caracteriza-se por uma dialéctica incessante entre o consciente e o inconsciente, entre as instâncias que constituem o aparelho psíquico: id, ego e superego. Também, definitivamente, ficámos a saber que a sexualidade é o grande motor do desenvolvimento humano e que os sonhos podem ser a realização de desejos recalcados.