Páginas

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

ACORDAR


Vejo onde os pássaros cantam
na oliveira mais próxima e a estrada
calcorreada pelos camponeses
tisnados do pó solto da malha do cereal na eira,
a prenda de aniversário dos (três anos?),
um tratorzinho de plástico com que
brincava a lavrar a terra do quintal
da casa onde nasci, as casas vizinhas,
pequenas, bonitas e caiadas,
o azul oceânico, claramente visto, da praia da
Nazaré, (a primeira vez que vi o mar),
a escola da minha segunda aldeia
com a velha oliveira que ainda lá se encontra,
sítio da berlinda onde os segredos se revelavam,
lugar dos primeiros processos inquisitórios
a que assisti, ali aprendi que as crianças
não são tão puras nem tão verdadeiras
como me inculcaram na catequese
e que a vida não é tão fácil como parece,
mas pode conter grandes amizades.
Depois, as escolas da vila, a biblioteca,
o papo-seco com marmelada e o café com leite
a meio das manhãs de agitada aprendizagem,
a alegria das alegrias, aquela menina que
nos intervalos das aulas mostrava a caixinha
dos bichos-da-seda envoltos em folhas frescas
com um sorriso nos olhos que fazia tremer o mundo.
Subitamente abrem-se-me os olhos e começo,
como é hábito, a embriagar-me de lucidez
para enfrentar o dia, não perco a expetativa de
amanhã de manhãzinha acordar assim,
espantado com a existência de tudo, agora é
urgente lavar os olhos e beber o café,
vamos fazer-nos à estrada, a vida não pára.
©PR
Foto: oliveira no recreio da minha escola primária.





Sem comentários:

Enviar um comentário