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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

utopia e solidariedade


A solidariedade, responsabilidade recíproca entre as pessoas, será uma utopia?    
A utopia é uma ideia que parece irrealizável. Terá sido uma palavra inventada por Thomas More (1478-1535) para nomear uma sociedade ideal, numa ilha, onde toda a gente seria feliz porque a organização política, social, económica e cultural, estaria isenta de todos os erros e vícios que convergem para o mal no mundo em que vivemos e que, de certo modo, é uma constelação de distopias, por oposição às utopias. 
Etimologicamente, utopia é um não lugar. Nesta perspetiva a utopia não existe materialmente. A utopia é real apenas na perspetiva platónica, enquanto ideia. 

Para o conhecimento, muitas vezes é mais importante o invisível do que o visível. O essencial é invisível aos olhos, tal como nos mostrou Antoine de Saint-Exupéry, só se vê bem com o coração. Muito antes, já Platão considerava que a autêntica realidade é invisível e tudo quanto constitui o mundo sensível não passa de cópia imperfeita dum modelo real inacessível aos sentidos, mas não ao pensamento.
     Eduardo Galeano escritor e jornalista uruguaio (1940-2015), escreveu: "a utopia está  no horizonte. Aproximo-me dois passos, ela afasta-se dois passos. Caminho dez passos e o horizonte distancia-se dez passos mais além. Para que serve a utopia? Serve para isso, para caminhar." 
Perguntamos agora, as utopias são realizáveis? Isto é, poderão ser construções humanas em correspondência perfeita com as ideias? 
A república de Platão (428 a 347 aC) , a utopia de Thomas More, a cidade de Deus de Santo Agostinho (354 - 430) e a sociedade comunista proposta por Karl Marx (1818-1883), são utopias? As utopias são irrealizáveis?
Se realizadas, deixarão de ser utopias para pertencerem ao mundo material  humano, se apenas  pensamento, continuarão utopias. 
Contudo, as utopias têm uma força enorme na prossecução da vida humana, sem utopia não haveria caminho, de algum modo, o futuro é a cada momento um conjunto de utopias mais ou menos universais. A utopia existe, primeiro como ideal e, depois, como processo material individual, social e histórico, isto é, como caminho, com certeza interminável.
O voo solitário de trinta e três horas, sem escalas, em 1927, realizado pela primeira vez por Charles Lindberg (1902-1974) sobre o atlântico norte era, para muitos, considerado uma utopia, mas foi realizado. 

A utopia que vive em nós, tem uma força gigantesca, com ela podemos sempre  progredir.  Podemos afirmar, tal como Eduardo Galeano, sem utopia não haveria caminho nem solidariedade. Esta é uma prática, consequência de um pensamento sólido e de um combate permanente contra o maior do males, a ignorância.

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

IMPRESSÕES

Um sol tremendo
a fazer ferver o mundo
como lava de vulcão
embrenha-se nas trincheiras
da terra onde não há só guerra
mas também girassóis,
ventos alísios
e alguma esperança.
Um pássaro debica
na corola das extintas
pétalas da flor de árvore
do paraíso enquanto escuto
o crepitar das suas folhas
e respiro o ar aparentemente
fresco da manhã
oiço, na rádio, o poderoso
contralto vocal
de Amy Winehouse,
avisto a janela triangular
que não se abre
mas dá para o firmamento
azul luminoso,
entrecortado pelas alvas
cordas da roupa,
entrevejo nódulos de luz
sob a laranjeira do quintal
dançando num limiar cismático.
Sinto-me um caso particular
de mónada leibniziana
preso nas teias da existência
prestes a acordar
num mundo desconhecido.
©PR

A lei da vida

     O presente é a prenda que o mundo nos deu, é o melhor e o pior, é tudo. Aqui e agora está e é o que podia, pode ou poderá ser. Qualquer época da nossa vida é a melhor possível. Não dominamos parte de nós, muito do que somos é inconsciente, isso manifesta-se, por exemplo, na arte. A arte vai muito para além do artista, este, por vezes espanta-se com as suas próprias produções. Há, com certeza, racionalidade. É a razão que nos permite a mudança para melhor através do trabalho, da meditação, da reflexão sobre o que vem à consciência e que parte, eventualmente, do inconsciente, passando pelo subconsciente. Os medos, as angústias e os preconceitos estão enraizados em todos de diferentes formas, consoante a constelação cultural em que vivem. Podem ser descobertos e racionalizados pela literatura, a forma de arte que mais apela à reflexão enquanto se frui. O mundo pode melhorar a partir do momento em que cada um se aperfeiçoa. O caminho para a perfeição não é impossível, concretiza-se pela leitura, pela reflexão, pelo pensamento sobre a vida e pelo desenvolvimento da capacidade de viver, olhar, escutar, sentir. Somos inteiramente livres se dispusermos de tempo e de espaço para fazer arte e para refletir sobre ela enquanto a contemplamos. Somos animais estéticos, a estética é individual e comunitária, logo política. Fabricar arte e "consumir" arte é um ato político e é ao mesmo tempo o que nos torna humanos, embora tenhamos muito, talvez mais do que o que o cristianismo nos legou, em comum com os animais a que chamamos irracionais. 
     Não me parece que haja progresso humano com a evolução histórica. A própria história nos dá essa informação. O holocausto é disso um exemplo. Há inovação tecnológica que traz sempre consigo esperanças e angústias. A velocidade do comboio no século XIX trouxe consigo tantos medos e temores como a internet nos nossos dias. Nós é que não chegámos a senti-los. Não me parece que as conquistas tecnológicas sejam a proximidade do apocalipse. O mundo já esteve para acabar várias vezes, segundo relata a história das crenças metafísicas e religiosas. Apesar de tudo, nós cá continuamos e os nossos descendentes farão o possível para sobreviver com a menor dor possível, essa é, parece-me, a lei fundamental da vida.