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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

AVÓS


Os egrégios avós, a quem tudo devemos,
inventaram as palavras, legaram-nos o mundo
onde representamos o teatro da vida,
deram-nos o ser, lançaram sementes que frutificaram
nos inóspitos campos.
Inventaram o violino e o oboé de amor,
as notas musicais e o sentimento da alma
que tanta falta nos faz.
Ao pensarmos nos avós estremecemos
como se escutássemos um glissando,
e nos deixássemos embalar por sorrisos de amizade,
de amor e de paixão.
Quanta beleza, numa cornucópia sem fim,
os avós nos ofereceram.
Ousaram ser sonhadores
profissionais do futuro,
por eles caminhamos e aprendemos a voar.
Somos razão e sentimento dos seus propósitos.
Voaremos sem o desvio de Ícaro se honrarmos as suas memórias,
e se apreendermos com os seus erros.
Cuidando deles como eles cuidaram de nós,
nunca estaremos sós.
Respeitemo-los, porque eles merecem,
os nossos egrégios avós!



sábado, 19 de dezembro de 2020

Natal

Porque nos aproximamos da época natalícia, ocorreram-me algumas palavras que talvez mostrem que o Natal é, não só das crianças, mas também da criança que vive em cada um de nós.


O NATAL E AS CRIANÇAS


As crianças correm, saltam, riem, choram,

vivem desmedidamente, dançam à chuva,

brincam nas poças de água, espantam-se

com a beleza de todas as coisas,

acham tudo natural, criam formas de arte incríveis.

Abraçam- se, dão miminhos, dormem que

nem ratinhos, sonham com baloiços,

com passeios nas nuvens e com passarolas voadoras.

Brincam a tudo, aos médicos e enfermeiros,

aos professores, aos pais e às mães,

aos super-heróis, aos irmãos.

Querem ser, quando forem grandes,

astronautas, polícias, bombeiros,

pilotos de fórmula um, maestros da banda filarmónica.

Têm o mundo a seus pés,

são príncipes e princesas, fadas e gnomos,

espadachins a surpreender monstros numa floresta encantada.

As crianças dançam de roda de mãos dadas,

jogam ao pião, ao berlinde, ao salta carneiro,

ao mata, às escondidas.


Perguntam porque é que chove,

porque é que quando salto caio outra vez,

porque é que há pessoas que morrem,

porque é que o céu é tão azul?

Procuram o lugar do infinito,

a razão do frio, a origem do mundo.

Dizem-nos, com ternura e curiosidade:

O meu avô, que não conheci, é aquela estrelinha no céu?

As crianças parecem pequenas e estão a crescer,

têm o mundo todo dentro delas.

As crianças acreditam no menino Jesus

e no Pai Natal, acham tão natural o

voo dos pássaros como o dos foguetões.

As crianças trocam prendinhas insignificantes

por amor, por pura paixão,

cromos, caricas, bichos-da-seda,

pratinhas dos chocolates do Pai Natal.

Têm os cadernos da escola altamente coloridos

porque a vida não pode ser triste e cinzenta.

As crianças são sindicalistas de primeira

água, conseguem o que é de justiça,

com um sorriso apenas.

Sabem que somos todos iguais e todos diferentes.

As crianças acreditam que todos têm pai

e mãe a sério, que os médicos não morrem,

que os professores sabem tudo,

que os animais são nossos amigos.

As crianças têm paciência infinita,

fazem castelos de areia que a água deslaça

e a seguir constroem outro e outro.

Não se cansam de transportar repetidamente

o balde com água do mar e lançá-la,

sem desistir, no poço que se esvai na praia,

Vivem, com alegria, o mito de Sísifo,

sem cruzes pelo caminho.

As crianças são cientistas corajosos

como Galileu, defendem que a terra

é redonda e se move,

mesmo que sejam castigadas por isso.

As crianças sorriem a sonhar com doces,

pipocas, gomas, romãs e marshmallows,

com as prendinhas do pai Natal, com

as luzes cintilantes de muitas cores nas

árvores da avenida e com a neve na serra.

As crianças ensinam- nos tanto;

e às vezes não queremos aprender,

elas sabem que são o futuro

e nós também sabemos porque já

somos muito passado enraizado na memória.

De vez em quando tenho esperança que toda a gente sinta,

como por vezes sinto, que o mundo é das crianças,

por elas não há fome, não há guerra, não há medo,

só há vida intensamente vivida,

só há Amor como no espírito de Natal.




















domingo, 6 de dezembro de 2020

NOSTALGIA


Inconsciente criança,

que ainda cá moras,

a brincar aos índios e cobóis, 

a fingir-se de morta

pelo tiro da flecha imaginária, 

nos verdes campos  

de borboletas brancas, 

de carreirinhos e correrias, 

de  saltos de cavalinho de pau,

exibindo a sua  quixotesca espada 

de madeira, desafiando o vento 

e seus moinhos colossais.

Eram assim, às vezes,

as mágicas tardes de domingo

que povoam ainda hoje

os  mais eficazes sonhos

da razão da  existência e da natureza, 

a quem sou muito grato.