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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

valor

O valor é uma qualidade de natureza metafísica, existe num sistema criado pelos seres humanos e apresenta características não quantificáveis. Não podemos medir o valor do amor, do bem, do belo ou da justiça. O valor é sempre uma qualidade atribuída por um sujeito a um determinado objecto. A explicitação do valor é sempre do sujeito e está impregnada na actividade de valorar, quando se diz, por exemplo, a beleza está nos olhos de quem a vê, reconhece-se que há reciprocidade no acto de valorar: o sujeito projecta a sua beleza no objecto e este faz coincidir, no essencial, a imagem que emite de si com a projecção daquele. Os objectos ou entidades sobre as quais recai o juízo valorativo são uma pessoa, um objecto ou uma coisa, uma opinião, um sentimento, uma norma, um papel social. Tudo o que é real pode ser valorado. 

Mas, será o valor apenas subjectivo?  A objectividade não é mais do que a possibilidade efectiva de concretizar um objecto, é uma profunda e complexa intersubjectividade. Por isso o valor pode ser objectivo. Há acordos entre sujeitos acerca de valores éticos, morais, estéticos, económicos. Nesses universos delimitados é fácil saber o que é o bem, a justiça, o belo. O valor é a projecção da atitude do sujeito que valora sobre o objecto valorado e que tem por base a percepção do objecto pelo sujeito.

No pós-modernismo em que vivemos actualmente e que se caracteriza pela enfatização da descontinuidade, pela fragmentação, pela desumanização, pela falta de sentido e pela desestruturação, o que originou, por exemplo, o surgir de fanatismos religiosos como o islâmico, há uma profusa actividade egocêntrica, o ego individualista, fechado em si próprio, avesso à partilha e à solidariedade, valoriza sobretudo o seu prazer por uma instrumentalização de si próprio e do outro. Por isso se diz que há uma crise de valores que possibilitou o 11 de Setembro de há dez anos. A crise é uma  mudança de paradigma, é uma mutação genética dos valores, o definhamento de uns e o aparecimento de outros. Não há sociedade sem valores tal como não há sociedade sem crise de valores. 


O que há de diferente nos tempos que correm é uma tendência para a globalização de determinados valores associados ao consumismo/hedonismo. Se a essa ideia de  hedonismo massificado não corresponder nenhum objecto então o indivíduo, perscrutando à sua volta outros indivíduos sem objecto, relacionar-se-á com eles e poderão gregariamente, desenvolver uma rebelião das massas, tal como afirmava o filósofo espanhol Ortega y Gasset. Por isso estão a emergir na Europa, na América do Norte, no Norte de África e no Médio Oriente, fenómenos de convulsão social que anunciam a transição para um novo paradigma.




quinta-feira, 1 de setembro de 2011

amor

Na cosmogonia órfica, a Noite e o Vazio estão na origem do mundo. A noite dá à luz um ovo, donde nasce o Amor, enquanto que a terra e o céu se formam a partir das metades da casca quebrada.
Para Hesíodo, antes de mais foi o abismo; depois a Terra de largos flancos, seguramente apoiada, para sempre oferecida a todos os seres vivos, e o Amor, o mais belo entre os deuses imortais, aquele que irrompe os membros e que, no peito de todo o deus como de todo o homem domina o coração e o sábio querer. (...)
O amor, muitas vezes representado como uma criança ou um adolescente alado, nu, porque encarna um desejo que dispensa intermediário e não se pode esconder . (...) O facto de que o amor seja uma criança, simboliza sem dúvida a eterna juventude de todo o amor profundo, mas também uma certa irresponsabilidade: o Amor diverte-se com os humanos que caça, por vezes mesmo sem os ver, que cega ou que inflama (arco, flechas, aljava, olhos vendados, archote, etc.): os mesmos símbolos em todas as culturas. O globo que tem muitas vezes nas mãos, sugere o seu universal e soberano poder. Quaisquer que sejam os enfados poéticos, o Amor é sempre o deus primeiro que assegura não somente a continuidade das espécies, mas a coesão interna dos Cosmos.
O amor deriva também da simbólica geral da união dos contrários, coincidência de contrários. Ele é a pulsão fundamental do ser, a libido, que impele toda a existência a realizar-se na acção. É ele que actualiza as virtualidades do ser. Mas esta passagem ao acto não se produz senão pelo contacto com o outro, por uma série de trocas materiais, sensíveis, espirituais, que são outros tantos embates.
O amor tende a superar estes antagonismos, a assimilar forças diferentes, a integrá-las na mesma unidade. (...) De um ponto de vista cósmico, após a explosão do ser em múltiplos seres, é a força que dirige o retorno à unidade e a reintegração do universo, marcada pela passagem do caos primitivo à unidade consciente da ordem definitiva. A libido ilumina-se na consciência, onde pode tornar-se uma força espiritual ou progresso moral e místico.O eu individual segue uma evolução análoga à do universo: o amor é a procura de um centro unificador que permitirá realizar a síntese dinâmica das suas virtualidades. Dois seres que se dão e se entregam, reencontram-se um no outro, mas levados a um grau de ser superior, se no mínimo a dádiva foi total, no lugar de ser somente limitado a um nível do próprio ser, muitas vezes carnal ou sensual.
O amor é uma fonte ontológica de progresso, na medida em que ele é efectivamente união, e não simplesmente apropriação. Pervertido, no lugar de ser centro unificador procurado, torna-se princípio de divisão e de morte. A sua perversão consiste em destruir o valor do outro, para tentar fazê-lo servir egoisticamente a si, no lugar de enriquecer o outro e si próprio através de uma dádiva recíproca e generosa que faça cada um dos dois, ser mais, ao mesmo tempo que se tornam cada vez mais neles mesmos. (...)

Adaptado de Dictionnaire des Symboles, Jean Chevalier, Ed. Robert Laffont, pp 35 a 37