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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

cinzas

Quarta-feira de cinzas,
cinzentas, místicas,
engendradas a preto e branco,
saudade de arco-íris
num certo espaço da alma
e comistão de todas as cores,
vertigem neuronal do disco de Newton;
efabulações, manifestos no meu espírito,
qual contentamento de criança
a ver o mar pela primeira vez,
ou sentimento de realidade
pintada por Miró;
como se tivesse acabado
de vir ao mundo e, tendo vivido,
renascesse, depois de morrer
no último ato de um sonho
instituído por um génio maligno
destilando surtos e quarentenas.
Mais do que isto,
é a vida tão colorida,
como a Fénix Renascida.
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Foto: Bestiário de Aberdeen (1200 d C)



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

dia de inverno

No meu pensamento de hoje
é inverno e chove desalmadamente.
Sucedem-se-me, na consciência,
frios instantes em linha real,
como patinhos acabados de nascer,
seguindo a mãe, ou Konrad Lorenz,
para todo o lado, em fila serpenteante.
Nós, humanos, não somos assim,
andamos às ochas, as mais das vezes, para nada.
Tanto que podemos aprender com eles,
assim como com os pingos da chuva
que voam quase a prumo, de cima para baixo,
ordeiramente, sem pressas nem ansiedades,
em inteira liberdade, apenas com ligeiros
desvios naturais. Seguem-se uns aos outros,
numa razão tão reta que espanta e emociona.
Tudo isto me apraz tanto que, ainda bem não,
me esqueço do confinamento e das tristes notícias
sobre a corrupção que grassa por esse mundo fora.
Assim, vou derramando um pouco de tinta
otimista, como os pingos de chuva e os patinhos,
nestes espaços em branco,
só para não cair na desgraça que perpassa.