Páginas

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

individualismo & consumismo

 Paira no mundo o espectro do relativismo, da insegurança e da incerteza. Poucos ousam dizer, por mais especialistas que sejam, uma projecção do futuro imediato ou distante. Abundam, por isso, muitas formas de esconjurar a realidade: o cinema e a literatura fantásticos, a ficção científica, a proliferação de religiões  e de seitas religiosas, os rituais ligados a acontecimentos mediáticos como o futebol, os mega-concertos de angariação de fundos para causas humanitárias e caritativas, a política espectáculo, a guerra em directo,   a violação consentida da privacidade (big brother), a celebração de dias mundiais: da mulher, do não fumador, dos direitos humanos, da criança, da liberdade, dos refugiados, etc., etc..
  Muita gente, ao que parece, acha que este não é o melhor dos mundos. Contudo, nem sempre foi assim, Leibniz (1646-1716), por exemplo, imbuído num espírito teológico e racional, admitiu que Deus previu tudo e cuidou de tudo de antemão. Nas obras divinas haveria uma harmonia e uma beleza já preestabelecida. Em cada momento estaríamos a viver sempre no melhor dos mundos possíveis. 


Desde a antiguidade que nos foram  propostas utopias às quais não conseguimos ligar-nos nem desligar-nos, provavelmente por as termos estudado pouco: desde a República de Platão (428 a.C. 348 a. C.) à Cidade de Deus de S.tº Agostinho (354-430), passando pela Utopia de Thomas Morus (1478-1535) até à sociedade comunista de Marx (1818-1883).  Hoje poucos crêem na realização das utopias e igualmente poucos  estão convictos de que este é o melhor dos mundos possíveis. O espírito dos séculos XVII e XVIII, não é o espírito do século XX nem o do século XXI. Não vivemos no tempo do optimismo. Pigmaleão e Galateia são mitos do passado, as nossas expectativas não são positivas, por isso vive-se "um dia de cada vez" como se já amanhã fosse acabar o mundo, ou pelo menos, o mundo individual de cada um. O valor absoluto é aquele  que afirma que a vida é fugaz, efémero e acidental, por isso há que viver o presente na perspectiva do máximo prazer por unidade de tempo. Daí que haja um apelo constante à sofreguidão para o consumo.


 Vivemos na sociedade de consumo, tal como a analisou Jean Baudrillard (1929-2007). A  sua essência caracteriza-se por mais produção e mais consumo, principalmente dos "bens" materiais, habitualmente associados às novíssimas tecnologias. A isso corresponde o famigerado crescimento económico que é um dos mitos do século XXI.  Já a obra "a era do vazio- um ensaio sobre o individualismo contemporâneo" de  Gilles Lipovetsky (n. 1944, 67 anos) alertava para o vazio em que se vivia no século XX, fundamentalmente vazio de valores, ausência de referências morais e éticas. Para colmatar esse vazio o homem lançou-se na ideologia do consumismo para tentar restabelecer o equilíbrio "homeostático" e sentir-se mais revigorado. As democracias também se deixaram levar por forças ultra-liberais, representantes daquela ideologia dominante. Os bens culturais, teatro cinema, música, literatura, etc., foram também levados na onda do consumismo e transformaram-se em produtos vendidos em ciclos, packs, kits, pacotes, etc. Surgiram infernais panóplias de produtos de usar e deitar fora, os descartáveis, desde a simples máquina de barbear até ao telefone móvel. Com isto cresceram os atentados aos ecossistemas. Cada consumidor deixa atrás de si, em cada dia de consumo, um conjunto de detritos, altamente poluentes, sendo que muitos deles nem sequer são reciclados ou recicláveis. Tudo isto aconteceu devido ao grande poder dos media ( a televisão tem como principal função preparar o cérebro do telespectador para o anúncio seguinte) na influência das escolhas de todos os tipos de público: há segmentos de mercado para todos os produtos, estão estudados, calculados, previstos. As ciências humanas, principalmente a sociologia e a psicologia, criaram e continuam a criar os instrumentos necessários para perceber como é que se pode cada vez mais transformar seres humanos em títeres. Uma bebida "zero" ou um detergente "três em um", marcam uma nova necessidade e têm sempre um público comprador. Proliferam sistematicamente as campanhas com o apelo incessante ao sexo, à sensualidade, à alegria, à emoção colectiva. Pode comprar-se a felicidade expressa no sorriso de pessoas jovens e belas dentro do automóvel que tem tudo: ar condicionado, estofos de pele, jantes de liga leve, air-bags, faróis de nevoeiro, alarme, sensores de estacionamento, desembaciador automático, limpa pára-brisas inteligente, suspensão computorizada, computador de bordo que diz a todo o momento a temperatura interior e exterior, o número de quilómetros que pode percorrer até ao próximo posto de reabastecimento, etc.,  GPS, ligação ao mundo inteiro pela net, radio, TV, ligação USB, etc, etc.. Um automóvel é o mundo. Possuir tal maravilha da tecnologia, produzida  a partir da mesma ciência que cria os satélites e as naves espaciais, é como ser dono do mundo, ter o mundo a seus pés, usufruir de um poder imenso, ser alvo de todas as invejas, arrasar egoisticamente, poder ser brutal. É este homem invejado e idolatrado como brutal, não pelo que é, mas pelo que tem, que muitos querem ser. A publicidade enganosa, sempre provocante, convoca, seduz, convence: "tu queres, tu sabes, tu podes". Surgiu uma nova fórmula identitária: ser = ter, isto é, eu sou o que eu tenho.  Eu sou para os outros aquilo que eles sabem que eu tenho. Eles sabem que eu tenho o que exibo como meu e que não é deles, o que eu exibo é privado, os outros estão privados da sua posse, do seu uso, são alienados dos meus bens que são só meus e de mais ninguém.


Perguntamos, neste início do século XXI, como é que se chegou a tamanho egoísmo, a tão grande relativismo? Será este um modelo ideológico humanamente sustentável a longo prazo?










segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Impressões

Magnífico dia. Sol, imensa luz, leves chilreios de pardais, tremelicar breve das folhagens das laranjeiras. Suave brisa matinal. Calma e encanto. Ontem a lua apresentou-se, tal como anunciaram os astrónomos de serviço da república, brilhante, laranja e luminescente, risonha e solitária. A nossa amiga lua, musa de poetas, reguladora das marés e inspiradora dos lobos. Nas noites de lua cheia as grávidas parem mais, os hospitais materno-infantis não têm mãos a medir. Rasgam-se os ventres, ecoam gritos de dor, semeiam-se prantos de alegria. Os astrónomos, figuras mediáticas que se vão popularizando, lançam nas ondas hertzianas os seus laivos de conhecimento, as descrições, os efeitos, com o infinitesimal rigor, com a sua graça, na esperança de acicatar as mentes ignaras agora, e quem sabe, esclarecidas amanhã.
Mas há também os astrólogos, mais e mais consultados, com previsões encomendadas, já que nesta rebelião das massas todos querem saber o futuro. Ler o passado é oneroso, por isso encomenda-se, por que não on-line, a antecipada descrição do mundo, onomatopeia dos ribombares vindouros. Enquanto isso, a sul do mediterrâneo, entre o Egipto, o Sudão, o Chade, o Níger, a Argélia e a Tunísia, o coronel Kadaphi, na sua mediática e lúgubre poltrona, insurgiu-se contra o colonialismo ocidental e declarou todo o mar mediterrâneo zona de guerra. Mais uma contribuição para o inculcar do macrossistema psicológico nas mentes anónimas que constituem a horda da humanidade. Parece evidente que a esta hora Kadaphi já foi enterrado sem honra nem glória num qualquer buraco do deserto. À mesma hora, na capital do ex-império português desenhou-se a vigésima primeira maratona, para a qual olhei, por breves instantes, através dessa caixa negra a que se chama televisão. A competição e o recreio, o convívio, a saúde e a política, o amor e a beleza. Quilómetros a correr na senda das pegadas da sobrevivência do homo sapiens para matar as saudades inscritas no código genético da evolução. A isto se chama meia maratona de Lisboa. Escutei entretanto la turca de Mozart, sonata em três movimentos. A marcha turca, inscrita no filme "as férias de Mister Bean" e que lhe transmite a emoção e a cadência, o ritmo que faz marchar a mini meia maratona de Lisboa. A música que havia sido composta por volta de mil setecentos e noventa e três em Viena ou Salzburgo por Wolfgang Amadeus Mozart imitando as janízeras turcas, é o pano de fundo para um dia alegre e feliz. O melhor do mundo são as crianças, o sentido da vida, o futuro radioso. O sol, o sal da vida, interligando todas as mónadas. O uno e o múltiplo, já que o mesmo é o caminho a subir e a descer, a diferença é o sentido. Vector inscrito numa direcção, seta de cupido, atravessando o conteúdo e o continente, marcando, pelo silvo mudo, os trilhos da harmonia universal. A música celestial que todos os seres ouvem e que apenas os poetas e os pensadores conseguem escutar. Oiçamos a música tocada por guitarra clássica:

https://www.youtube.com/watch?v=26HLgXWF-Co

De manhã a brisa soprara veloz e os moinhos de vento espanta pássaros giraram ininterruptamente como se galopassem à procura dos culpados dos prejuízos dos quintais. Talvez se tenha feito justiça e agora vive-se a bonança, a calma, para que a sesta corra bem. Encontram-se paradinhos como a fêmea depois da cópula, com a satisfação feliz e inconsciente que originará nova organização material que conduzirá aos caminhos do futuro. O que é natural treme, iridesce, emite e recebe os eflúvios da comunicação intermonádica. O que é artificial descora, pára, emudece, anuncia a síntese morta dos combates entre os vivos. Irrita, espanta, morde e asfixia. Onde te encontras mundo natural? O progressivo apagão do fervilhar mirífico inunda os quatro elementos. A terra morre, a água empalidece, o ar torna-se irrespirável e o fogo já não arde. Para onde foste tu musa do universo? Porque te esvais como se encontrasses a tua antimatéria? Onde estão o amor e o ódio? A sede de vingança positiva, motor do progresso civilizacional, da história das aldeias e das nações, espera ansiosamente pela epifania. As musas eclipsaram-se e neste jogo do esconde-esconde, erramos, quais astros perdidos, à espera de um transístor milagroso que aumente os sinais dos quatro originais elementos. Assim regressaríamos  à linguagem do início dos tempos, à palavra de honra, à ausência do preconceito e dos conceitos máscara dos seres, ao lume vivo na clareira da floresta que afasta o véu da mentira.  Regressaríamos ao paraíso antes de Adão e Eva, à palavra que desvela e cuida, ao amor dito e feito, às carícias ontológicas, aos bastidores do ser, ao tempo sem balizas, ao fluir heraclitiano dos elementos na sua linguagem sempre invulgar, poética, bela e verdadeira.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dia mundial do livro

O chamado mundo ocidental é, provavelmente,  o que mais se desenvolveu do ponto de vista científico e técnico, a partir do século XVII.  As suas raízes remontam à Grécia antiga onde surgiu o pensamento que inventou a palavra "Democracia" e onde progressivamente se passou de uma conceção mítica/religiosa a uma conceção filosófica/científica do universo, do mundo e da humanidade. A partir da matriz greco-romana e judaico-cristã desenvolveu-se um modo de organização cultural e político-social tendente a reconhecer e a incentivar a cidadania e a liberdade. Foi o mundo ocidental que criou a globalização. Foi aqui que Gutenberg, no século XV, desenvolveu um sistema mecânico de tipos móveis que deu início à revolução da imprensa e que é amplamente considerada a invenção mais importante do segundo milénio que muito contribuiu para a proliferação dos livros. 
O mundo ocidental produziu ciência e tecnologia, arte e religião, mas também peste, fome e guerra. Criou duas guerras mundiais, e muitas outras de que temos conhecimento, e agora uma guerra terrível na Europa, insegurança global, armamento atómico. Produziu a declaração universal dos direitos humanos, literatura, poesia, música, arranha-céus, autoestradas, aviões supersónicos, viagens interplanetárias. Proclamou o direito à autodeterminação dos povos. Originou a poluição visual, acústica e ambiental e ainda a possibilidade do superpovoamento do planeta, ultrapassámos já os  sete mil milhões de indivíduos e estamos próximo do oito mil milhões.
No campo da complexidade do desenvolvimento das sociedades humanas não há argumentação válida para fixismos e para imposição de modelos. Outras civilizações e culturas, igualmente legítimas, são resultado de um processo histórico e social igualmente rico e complexo. A linguística mostrou-nos que não há línguas mais importantes do que outras, os crioulos de base portuguesa são tão línguas como o inglês ou o português. Todos os povos são culturalmente civilizados, ainda que em alguns ainda persistam certas práticas tradicionais de violência explícita como, por exemplo, a condenação à morte por lapidação e a excisão do clítoris. Toda a violência é eticamente reprovável porque contraria a coexistência e a continuidade da vida sem a qual nada terá sentido. 
Por isso nenhum mundo, ocidental ou oriental, setentrional ou meridional, tem qualquer argumento válido para  impor os seus modelos, porque todos os mundos são acidentais. Toda a imposição é violência por muito ténue que seja, toda a violência humana contraria a dignidade humana, também por isso, temos esperança de que o mundo não seja apenas a fenomenalização da caixa de Pandora dado que a violência também é acidental. Nos tempos que correm é cada vez mais importante recorrer a fontes diversificadas de informação, não ver apenas uma perspetiva dos problemas, sob pena de ficarmos sujeitos a uma caricatura da realidade dos factos e dos argumentos, arriscando-nos a não ter a mínima ideia das causas próximas e remotas, bem como das consequências imediatas e de médio/longo prazo dos acontecimentos. 
Hoje é o dia Dia Mundial do Livro. Talvez fosse bom aproveitarmos para ler autores, pensadores, escritores, políticos, cientistas,  poetas, que são, muitas vezes, severamente criticados na praça pública por quem não os leu ou por quem parece que não os leu. Talvez assim contribuamos para criar um mundo mais verdadeiro, menos preconceituoso e, de facto, mais livre, para todos. 

Boas leituras.


Ética e Moral

Como é que a moral se pode transformar na ética?


O psicólogo Lawrence Kohlberg (1927-1987) propôs-nos três grandes níveis de desenvolvimento moral, cada um composto por dois estádios. Estes três níveis constituem diferentes tipos de relações entre o sujeito e as regras e as expectativas da sociedade.

O primeiro é o nível da moralidade pré-convencional que diz respeito à maioria das crianças com menos de nove anos, a alguns adolescentes e a um grande número de criminosos, adultos ou adolescentes. Neste nível as regras e as expectativas da sociedade são exteriores ao sujeito.

O segundo é o nível da moralidade convencional que diz respeito à maioria dos adolescentes e adultos. Aqui o sujeito interiorizou as regras e as expectativas dos outros, nomeadamente as das autoridades.

O terceiro é o nível da moralidade pós-convencional. Diz respeito a uma minoria de adultos a partir dos vinte anos de idade. Neste nível o sujeito distanciou-se das regras e das expectativas dos outros e define os valores em termos de princípios universais livremente escolhidos.


No nível da moralidade pré-convencional o primeiro estádio rege-se por uma orientação punitiva e pela obediência à autoridade: para evitar as punições que são temidas como qualquer outro estímulo aversivo, o sujeito obedece a pessoas investidas de prestígio ou de poder, habitualmente os pais, é incapaz de ter em conta intenções e crê na responsabilidade objectiva. Neste nível, o segundo estádio rege-se por uma orientação ingenuamente hedónica e instrumental. As acções são definidas como justas se esta definição satisfaz o eu e, acessoriamente, as outras pessoas. Pode haver partilha e reciprocidade, mas trata-se de uma reciprocidade egoísta pela qual as relações humanas são assuntos de comércio segundo o princípio "é preciso dar a quem dá". Não existe neste estádio verdadeira reciprocidade baseada na lealdade, na gratidão, na justiça, na generosidade e na simpatia.


No nível da moralidade convencional, no primeiro estádio, o sujeito orienta-se em função das relações (moralidade da simpatia). Acha que age bem se é "gentil", se agrada ao outro, se ajuda os outros e se os outros o aprovam. Fundamenta sempre os seus juízos quanto à natureza do bem e do mal sobre as reacções do outro, preocupa-se mais com a sua aprovação ou desaprovação do que com o seu poder físico. Conforma-se à maioria e aos comportamentos óbvios ou evidentes. O sujeito começa a ter em conta as intenções pelo julgamento dos comportamentos dos outros. Neste nível, o segundo estádio diz respeito à moralidade da autoridade e da manutenção da ordem social. O sujeito aceita sem condições as convenções e as regras sociais para evitar a censura do outro. Já não se conforma aos padrões de outros indivíduos: submete-se à ordem social como tal. É a moralidade da lei e da ordem. Os comportamentos são tidos como bons se se conformam a um conjunto rígido de regras, se o sujeito cumpre o seu dever, se respeita a autoridade e mantém a ordem social. O sujeito subordina as suas necessidades de pessoa individual ao ponto de vista do grupo ou de uma relação partilhada.


O nível da moralidade pós-convencional é o da autonomia e dos princípios morais pessoais.
No primeiro estádio deste nível domina a moralidade do contrato social, dos direitos individuais e da lei democraticamente aceite. Há flexibilidade das crenças morais que faltava nos estádios anteriores. A moralidade baseia-se no acordo entre as pessoas, prestes a conformarem-se a normas que lhes parecem necessárias para manter a ordem social e os direitos dos  outros. Não há rigidez de normas. No entanto a lei deverá prevalecer em caso de conflitualidade apesar de a acção justa ser definida em termos de direitos individuais e de critérios examinados criticamente sobre os quais a sociedade entrou em acordo. O segundo estádio deste nível corresponde à orientação por princípios éticos universais. Aqui o comportamento é controlado por um ideal interiorizado que solicita a acção e que é independente das reacções do outro. Este ideal interiorizado representa a crença do sujeito no valor da vida e está marcado pelo respeito para com o indivíduo. Tem em si os princípios universais de justiça, de reciprocidade, de igualdade, de dignidade dos seres humanos considerados como pessoas individuais. É o estádio de moralidade mais elevado possível e que, tanto quanto se sabe, apenas pertence a uma minoria de pessoas adultas. A moral, nesta situação, é uma ética prática,  como a física é matemática aplicada, isto é, vivida. 


Potencialmente todos os seres humanos podem aceder ao estádio de moralidade do topo da pirâmide, assim se abra caminho para tal, pela destruição das barreiras sociais, económicas e culturais que leva os indivíduos à educação, à solidariedade e ao conhecimento.


Provavelmente com mais cultura, educação, arte e ciência, a pirâmide Kohlbergiana poderá inverter-se e talvez passemos a apreciar melhor os frutos que a vida nos dá, só possível pela vivência do imperativo kantiano:  age de tal modo que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na do outro, sempre como um fim e nunca como um meio. Ou como   também escreveu Pessoa: 
    O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
    Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
       Alberto Caeiro


domingo, 18 de dezembro de 2011

teoria da câmara fotográfica

Há um ditado chinês que diz, vale mais uma imagem do que mil palavras.  Devemos muito à China, não apenas a necessidade de nos aperfeiçoarmos devido à crise económica mas também o papel, ao  que parece terá lá sido inventado. Devemos-lhe também o sofrimento provocado pela síndrome da teoria da câmara fotográfica. É um pouco como S. Tomé  quando duvida da ressurreição de Jesus e exige que necessita de sentir as suas chagas antes de se convencer, é  portanto, ver para crer. E se colocássemos a questão ao contrário: valem mais mil palavras do que uma imagem?


A teoria da câmara fotográfica baseia-se na ideia de que o mundo real é semelhante às nossas percepções. Esta crença é uma suposição inconsciente e pode chamar-se de realismo ingénuo. As percepções não são registos fiéis da realidade, são interpretações dos dados dos sentidos e encontram-se contextualizadas pela vivência dos sujeitos. Para percebermos o mundo não basta termos uma imagem panorâmica do mesmo, é necessário ir contra as evidências da aparência. Muito do que nos permite uma explicação da realidade está muito para além das informações que nos dão os sentidos apesar de serem indispensáveis, já que a mente não é solipsista. 


As motivações, as experiências, os interesses, as aprendizagens e a personalidade do indivíduo condicionam as percepções, condicionam a mente. Todos esses elementos são interligados pela razão: conceitos, leis, teorias, modelos explicativos. A mente, com a razão, elabora conhecimento que não é limitado ao registo da imagem do mundo, cria um mundo correlato com mil palavras para responder às necessidades do sujeito.


A realidade é ficção. O nosso conhecimento é verdadeiro e chega apenas onde lhe permitem as nossas faculdades. É sustentado pelas percepções que não passam de construções mentais como as cores, os sabores, os sons, os odores  e as formas.
Conhecer é caminhar,  caminhar é ficcionar. Só a linha do tempo nos permite perceber quando é que a imaginação se cristaliza em realidade que entra no passado. O caminho já percorrido não é mais verdadeiro que o caminho que falta caminhar: eles formam uma unidade indissociável, não há passado sem futuro.