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domingo, 27 de setembro de 2020

setembro

Setembro tem nome de número,  sete,

e é o nono porque março já não é o primeiro.

Foi neste mês dos arcanjos que vim ao mundo,

e dos dias dos meus anos de há muitos anos, 

recordo bem dois deles:

quando perfiz nove e quando atingi os doze.

Aos nove, no dia doze, houve direito a bolo 

com pauzinhos de fósforos a imitar as velas

para eu apagar e  parabéns cantados que, no final,

me deixaram num vale de alegria com lágrimas.

Aos doze o ar era quente, o dia claro, antes de almoço,

eu e os meus queridos irmãos,  na apanha das

passas de figo nas terras a que chamavam chãs.

Aparecem uns tios meus à entrada da aldeia, 

vindos da terra dos fenómenos, com a filha

falando, casas hoje os anos, doze a doze, parabéns.

Trago sempre comigo aqueles momentos,

com os meus sete irmãos e a minha mãe 

que andava lá por perto com o meu pai que já morreu.

 Esta memória é uma emoção tão forte que me arrepio todo,

éramos felizes todos juntos e quase não dávamos por isso!



quinta-feira, 3 de setembro de 2020

ACORDAR


Vejo onde os pássaros cantam
na oliveira mais próxima e a estrada
calcorreada pelos camponeses
tisnados do pó solto da malha do cereal na eira,
a prenda de aniversário dos (três anos?),
um tratorzinho de plástico com que
brincava a lavrar a terra do quintal
da casa onde nasci, as casas vizinhas,
pequenas, bonitas e caiadas,
o azul oceânico, claramente visto, da praia da
Nazaré, (a primeira vez que vi o mar),
a escola da minha segunda aldeia
com a velha oliveira que ainda lá se encontra,
sítio da berlinda onde os segredos se revelavam,
lugar dos primeiros processos inquisitórios
a que assisti, ali aprendi que as crianças
não são tão puras nem tão verdadeiras
como me inculcaram na catequese
e que a vida não é tão fácil como parece,
mas pode conter grandes amizades.
Depois, as escolas da vila, a biblioteca,
o papo-seco com marmelada e o café com leite
a meio das manhãs de agitada aprendizagem,
a alegria das alegrias, aquela menina que
nos intervalos das aulas mostrava a caixinha
dos bichos-da-seda envoltos em folhas frescas
com um sorriso nos olhos que fazia tremer o mundo.
Subitamente abrem-se-me os olhos e começo,
como é hábito, a embriagar-me de lucidez
para enfrentar o dia, não perco a expetativa de
amanhã de manhãzinha acordar assim,
espantado com a existência de tudo, agora é
urgente lavar os olhos e beber o café,
vamos fazer-nos à estrada, a vida não pára.
©PR
Foto: oliveira no recreio da minha escola primária.





terça-feira, 1 de setembro de 2020

agosto em Campo Maior

Respiro a gosto, 
o azul vivo, o ar puro da manhã 
e a clara luz  do imenso Alentejo,
neste campo que é maior.

Na dourada planície, 
em arbóreas sombras,
ofegantes ovelhas,
a quem o velo furtaram,
suspiram por água fresca.

À tardinha, recolhidos, 
os pássaros dos verdes ramos
de frondosas árvores,
talvez namorando, 
rumorejam sonhos, 
porventura mais felizes, 
para setembro.

Encanta-se-me a alma,
nas veredas da avenida,
com a alegria à solta 
das crianças saboreando 
gelados de ternura 
oferecida  pelos avós.