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domingo, 26 de maio de 2013

mundo


o mundo não tem
princípio nem fim
é uma matriosca russa
a vida está na morte
e a morte na vida
Deng Xiaoping a morrer
disse, vou ter com Marx
Marx  em agonia
acreditava que ia ter com Demócrito
e nós que devagarinho morremos
em que é que acreditamos?

preto no branco





preto e branco
escuro e claro
a cor negra não é cor
tudo absorve
o branco é todas as cores
o preto no branco
é o tudo e o nada

ler um livro 
que grande prazer 
exercício do contraste
festa do preto e do branco
na folha branca 
sustentáculo de toda a escrita
onde cabe todo o universo

a sinfonia das palavras
pretas, escuras 
sobre fundo branco
é imagem, palco
matiz, consciência
paz e guerra, fogo
água, ar e terra


quando escutamos
o preto no branco 
tudo nos é dado
florestas crepitando de vida
incêndios de paixões
vidas paralelas
mundos por descobrir

nas letras, palavras, pausas
num ritmo musical
para além do bem e do mal
desvendamos o belo e o sublime
em todos os tons de humanidade
do mais pesado ao mais humilde.

o branco não rima
mas não é menos verso
a poesia é como a vida
não há duas árvores
com os ramos iguais
e uma realidade come a outra

uma deixa-se comer
porque tem fome de ser comida
e a outra, mesmo sem voracidade
sem dó e com vaidade
assimetricamente
faz-lhe a vontade.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

palavras



http://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%A3o_%C3%A1zimo


gosto de brincar às palavras como coisas
amassar as palavras farinha, água e sal
colocá-las dentro da palavra forno
(esqueci-me da palavra fermento)
não faz mal, entro noutra parte
de outro mundo de outras palavras
e aprenderei a saborear uma língua nova
onde está cozido o pão ázimo
emergindo da terra quente.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

efeito de estufa






laranja redonda
raios fulminantes
círculo amarelo
infravermelho
ultravioleta

globo aquecido
estufa quente
cérebro
mente
pesquisa

catástrofe iminente
discutimos agora
o sexo dos anjos
mas já passou
a idade média

destruímos
a classe média
estatística arrasa-vidas
assassina em nome
da terra prometida

compra-se a viagem
para marte

só de ida

sábado, 4 de maio de 2013

grito de Munch

O Grito
"Skrik"'
AutorEdvard Munch
Data1893
TécnicaÓleo sobre telaTêmpera e Pastel sobre cartão
Dimensões91 centímetro x 73,5 centímetro

boca
língua
amor
beijo


coração
que arde 
forja
enlace

das mãos
dos braços
das pernas 
dos pés

o amor,
tão contrário
a si próprio
tão finito
tão infinito
como a dor

do grito.




democracia



http://esohistoria.blogspot.pt/2012/01/democracia-ateniense.html


Nasceu na Gécia antiga há cerca de dois mil e quinhentos anos. Significava o poder do povo -demo (povo) e kratos (poder) reservado à totalidade daqueles que eram considerados cidadãos. Exercia-se de uma forma direta. Todos os problemas importantes para a cidade eram discutidos na ágora (praça pública) e as propostas de resolução submetidas à votação onde participavam todos os cidadãos. Tratava-se de uma forma de democracia direta, talvez aquela que verdadeiramente se pode considerar democrática. Baseava-se na cidadania, no conhecimento, no respeito mútuo, na argumentação e na soma das vontades. Sabemos que em Atenas, nessa época, apenas uma pequena parte da população era considerada cidadã. Haverá razões históricas para que assim fosse, de fora ficavam as mulheres, os escravos e os metecos. De qualquer forma o embrião, o princípio da democracia, eclodiu e produziu resultados notáveis ao longo de mais de dois mil e quinhentos anos: a magna carta, a revolução francesa, a revolução americana, a revolução russa, as monarquias constitucionais, as repúblicas populares, os direitos humanos e todas as constituições que os respeitam.
 A perversão da democracia originou regimes sócio-políticos que contrariaram o que de mais nobre pode existir numa sociedade: a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a justiça. E essa perversão é em primeiro lugar uma neurose circunscrita, que através da propaganda, onde incluímos também muita publicidade, se vai generalizando e abarcando um universo de pessoas cada vez maior. Surgem então fenómenos degradantes em que o chefe é idolatrado porque divinizado: o chamado culto da personalidade.

A degradação da democracia é a corrupção da cidadania, a doença social do cidadão, a ausência da capacidade e da prática da decisão de tudo o que é importante para a vida da comunidade. A partir do momento em que tal acontece, está aberto o caminho para a dissonância violenta entre cidadãos (que deixaram de o ser) ou  entre grupos de interesses instalados através de um fenómeno preocupante que é o corporativismo. 

O crescimento desmesurado das cidades, que teima em não parar, leva a agregados populacionais de altíssima complexidade relacional, a uma anomia brutal que acaba por negar a possibilidade da intervenção cidadã. Nunca tanta gente se conheceu tão pouco, é um aforismo da sociologia moderna que reconhecemos como verdadeiro. 

A democracia originária é a democracia direta, por isso, com o modelo de desenvolvimento global de agregar pessoas aos milhões em mega pólis ela tornou-se uma impossibilidade lógica. A chamada democracia representativa poderia, de algum modo, substituir a democracia direta, caso a relação entre eleitos e eleitores fosse de absoluto respeito e baseada numa proxémia razoável (uma relação entre iguais através da fala sem intermédio de tecnologias de amplificação). Sabemos também que a democracia representativa sofre de ancilose, uma vez que não é o conhecimento e a sabedoria o critério para a proposição dos representantes dos eleitores (cidadãos).

A democracia é a reflexão, a deliberação e a execução das decisões tomadas pelos cidadãos num tempo útil em que os próprios são responsáveis por todo o processo desde a ideia até á prática,  até à materialização do projeto decidido. A democracia não é compatível com a alienação da cidadania em nenhum momento, ela realiza-se hora a hora, ininterruptamente em todo o lado, principalmente na esfera pública e é ao mesmo tempo ela que decide o que é que é ou não é público e o que deve ser ou não ser privado. A democracia tem por sustento um exercício de ética universal (ninguém fica de fora), é o regime por excelência de conquistar a todo o momento o caminho para a utopia, pela negação sistemática da distopia.

No século XXI, em plena crise das democracias representativas podemos repensar se não valerá a pena regressar às origens e tudo fazer para desviar o caminho que se trilha, em que os verdadeiros decisores não são os eleitos, nem os representantes dos cidadãos, mas os próprios cidadãos. Veja-se por exemplo o que acontece no Portugal de agora e nos países do Sul da Europa: quem decide é quem escolheu os representantes do fundo monetário internacional, do banco central europeu e da comissão europeia. Quem elegeu  estes "governantes"? Não foi decerto o povo através de sufrágio universal baseado na discussão racional de um projeto. Foram, eventualmente, os donos dos mercados financeiros, o grupo de Bildelberg e outros muito poderosos, mas ocultos. 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

1.º de maio


entra tristeza
no coração
que pode bater
cem mil e oitocentas vezes
por dia.
muito mais bateria
se dele não saísse a alegria
que corresponderia com exatidão
à grande festa 
do suor, das lágrimas salgadas
de quem a trabalhar vive
demiurgo do mundo
que sofre e caminha
e projeta e quer tão somente
ser humildemente feliz

a tristeza não entraria
nem sequer existiria
uma única criança
uma só pessoa
em nenhuma parte do mundo
coisificada, maltratada, abandonada
e no primeiro dia do mês de maio
jamais alguém obedeceria a ordens
e só seria livre como os pássaros
de grandes asas na natureza.

o coração bateria muito mais
e a festa seria enorme 
e em todas as latitudes e 
nunca mais se ouviriam as palavras
exploração, censura, mentira, violência,
medo, morte, ignorância, opressão

ainda tenho a esperança 
de uma festa mundial
do dia do trabalhador
sem dor e com muito divertimento
bondade, música e danças
sem preconceitos ideológicos
como as crianças.