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quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Religião

O significado da palavra religião, no singular, é uma abstração. Não existe a Religião. O que há de facto são muitos milhões de pessoas que acreditam num deus ou numa divindade ou divindades. O que há é uma multiplicidade de religiões: hinduísmo, budismo, confucionismo, tauismo, xintoísmo, judaísmo, islamismo, cristianismo, religiões africanas, orientais, etc. Cada uma destas áreas religiosas, por sua vez, se segmenta em outras, por isso constatamos muitos cristianismos, islamismos, judaísmos. Por isso também sabemos que é impossível uma única religião universal, embora haja quem o afirme. Os estudos antropológicos e sociológicos apontam para a confirmação da probabilidade de a maior parte dos habitantes do nosso planeta serem crentes e se identificarem com alguma religião.
O que distingue fundamentalmente o real religioso do não religioso é a demarcação do sagrado e do profano. Esta inscrição merece ser estudada e por isso podemos afirmar a teologia como uma parte da antropologia, uma ciência que estuda, não o deus ou as divindades, mas, empiricamente, as vivências religiosas, tais como os rituais próprios de cada uma das religiões.
Em relação às religiões e respetivas divindades podemos posicionar-nos como, ou ateus, ou crentes ou agnósticos ou ainda, indiferentes. Todas estas posições são respeitáveis, elas versam sobre entidades que, na sua essência, não são dadas aos sentidos. Não conhecemos a figura de deus, não o vemos, não o sentimos nem o ouvimos, cientificamente falando. Mas não são necessárias tais constatações para haver crenças religiosas, basta escutarmos alguém a dizer com veemência, "eu acredito", para não ser possível negar a vivência e a evidência da religião. A religião merece o maior respeito, apesar de, historicamente, encontrarmos episódios sem conta das maiores atrocidades cometidas em nome de algumas religiões, tais como autos de fé, torturas inquisitoriais, atentados suicidas, mutilações, penitências, castigos infernais, etc.
Contudo podemos perguntar, é possível viver bem, individual e coletivamente sem religião? A resposta é afirmativa, a religião não é uma condição "sine qua non", universal, para o bem, para a justiça, para o amor, para a esperança ou para a paz. Embora haja quem afirme o contrário. Também há milhões de pessoas que não acreditam em nenhum deus e, em algumas sociedades, nomeadamente as mais desenvolvidas económica e socialmente, onde se verificam menos assimetrias, regista-se um progressivo aumento do número de não crentes. Nestas situações, as religiões têm alternativas que são as filosofias de vida não religiosas, tais como os humanismos materialistas, marxistas, existencialistas, ecologistas. Todas estas formas de pensamento e de vida permitem responder a perguntas, que de um modo ou de outro, cada um de nós faz ao longo da sua vida, tais como:
Qual a razão de ser e a finalidade da vida?
De onde vimos e para onde vamos?
Será que a vida vale a pena ser vivida?
Porquê a morte e o sofrimento?
As religiões têm respostas, muitas vezes simples, fáceis de compreender e de intuir, para estas questões, por isso compreende-se a facilidade com que proliferam certas religiões, ou outras formas de vivência do fenómeno religioso, como seitas, movimentos alternativos e tendências ocultistas. Independentemente da posição que cada um de nós assumir, creio que o essencial é que as pessoas se respeitem na sua diversidade, combatendo o preconceito racial, étnico, nacional, social, de género, sexual, político, cultural, estético. Acredito que é possível um diálogo ecuménico, de convivência e inter-religioso para uma igualdade e harmonia entre todas as religiões, que poderão promover a paz local, regional e mundial. Tal possibilidade só se efetivará se a política e a religião se mantiverem com a distância necessária para não se instrumentalizarem mutuamente, tal como prevê o desiderato das sociedades laicas que respeitam as religiões, na medida em que servem a ética universal.
Por vezes sinto que é na aparente insignificância da vida que encontro a minha vivência religiosa do mundo, por paradoxal que pareça, por uma ligação aos outros, sem ídolos, sem heróis e sem deuses. A palavra religião, cuja etimologia, mesmo que parcial, aponta para "religare", ligação, ajuda-nos a compreender que, quer queiramos quer não, estamos todos ligados uns aos outros, somos semelhantes na nossa pertença ao mundo e ao mesmo tempo ignorantes perante o mistério da vida e da infinitude do universo. Caminhamos todos pela mesma estrada, que tanto se sobe como se desce, e por ela tanto podemos encontrar o céu como o inferno, dependendo da maneira como viajamos. Talvez a melhor maneira de viajar seja a de mãos dadas, é essa, para mim, uma das facetas mais positivas e interessantes das religiões, nomeadamente das religiões cristãs, dominantes no nosso Portugal.

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