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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Impressões

Magnífico dia. Sol, imensa luz, leves chilreios de pardais, tremelicar breve das folhagens das laranjeiras. Suave brisa matinal. Calma e encanto. Ontem a lua apresentou-se, tal como anunciaram os astrónomos de serviço da república, brilhante, laranja e luminescente, risonha e solitária. A nossa amiga lua, musa de poetas, reguladora das marés e inspiradora dos lobos. Nas noites de lua cheia as grávidas parem mais, os hospitais materno-infantis não têm mãos a medir. Rasgam-se os ventres, ecoam gritos de dor, semeiam-se prantos de alegria. Os astrónomos, figuras mediáticas que se vão popularizando, lançam nas ondas hertzianas os seus laivos de conhecimento, as descrições, os efeitos, com o infinitesimal rigor, com a sua graça, na esperança de acicatar as mentes ignaras agora, e quem sabe, esclarecidas amanhã.
Mas há também os astrólogos, mais e mais consultados, com previsões encomendadas, já que nesta rebelião das massas todos querem saber o futuro. Ler o passado é oneroso, por isso encomenda-se, por que não on-line, a antecipada descrição do mundo, onomatopeia dos ribombares vindouros. Enquanto isso, a sul do mediterrâneo, entre o Egipto, o Sudão, o Chade, o Níger, a Argélia e a Tunísia, o coronel Kadaphi, na sua mediática e lúgubre poltrona, insurgiu-se contra o colonialismo ocidental e declarou todo o mar mediterrâneo zona de guerra. Mais uma contribuição para o inculcar do macrossistema psicológico nas mentes anónimas que constituem a horda da humanidade. Parece evidente que a esta hora Kadaphi já foi enterrado sem honra nem glória num qualquer buraco do deserto. À mesma hora, na capital do ex-império português desenhou-se a vigésima primeira maratona, para a qual olhei, por breves instantes, através dessa caixa negra a que se chama televisão. A competição e o recreio, o convívio, a saúde e a política, o amor e a beleza. Quilómetros a correr na senda das pegadas da sobrevivência do homo sapiens para matar as saudades inscritas no código genético da evolução. A isto se chama meia maratona de Lisboa. Escutei entretanto la turca de Mozart, sonata em três movimentos. A marcha turca, inscrita no filme "as férias de Mister Bean" e que lhe transmite a emoção e a cadência, o ritmo que faz marchar a mini meia maratona de Lisboa. A música que havia sido composta por volta de mil setecentos e noventa e três em Viena ou Salzburgo por Wolfgang Amadeus Mozart imitando as janízeras turcas, é o pano de fundo para um dia alegre e feliz. O melhor do mundo são as crianças, o sentido da vida, o futuro radioso. O sol, o sal da vida, interligando todas as mónadas. O uno e o múltiplo, já que o mesmo é o caminho a subir e a descer, a diferença é o sentido. Vector inscrito numa direcção, seta de cupido, atravessando o conteúdo e o continente, marcando, pelo silvo mudo, os trilhos da harmonia universal. A música celestial que todos os seres ouvem e que apenas os poetas e os pensadores conseguem escutar. Oiçamos a música tocada por guitarra clássica:

https://www.youtube.com/watch?v=26HLgXWF-Co

De manhã a brisa soprara veloz e os moinhos de vento espanta pássaros giraram ininterruptamente como se galopassem à procura dos culpados dos prejuízos dos quintais. Talvez se tenha feito justiça e agora vive-se a bonança, a calma, para que a sesta corra bem. Encontram-se paradinhos como a fêmea depois da cópula, com a satisfação feliz e inconsciente que originará nova organização material que conduzirá aos caminhos do futuro. O que é natural treme, iridesce, emite e recebe os eflúvios da comunicação intermonádica. O que é artificial descora, pára, emudece, anuncia a síntese morta dos combates entre os vivos. Irrita, espanta, morde e asfixia. Onde te encontras mundo natural? O progressivo apagão do fervilhar mirífico inunda os quatro elementos. A terra morre, a água empalidece, o ar torna-se irrespirável e o fogo já não arde. Para onde foste tu musa do universo? Porque te esvais como se encontrasses a tua antimatéria? Onde estão o amor e o ódio? A sede de vingança positiva, motor do progresso civilizacional, da história das aldeias e das nações, espera ansiosamente pela epifania. As musas eclipsaram-se e neste jogo do esconde-esconde, erramos, quais astros perdidos, à espera de um transístor milagroso que aumente os sinais dos quatro originais elementos. Assim regressaríamos  à linguagem do início dos tempos, à palavra de honra, à ausência do preconceito e dos conceitos máscara dos seres, ao lume vivo na clareira da floresta que afasta o véu da mentira.  Regressaríamos ao paraíso antes de Adão e Eva, à palavra que desvela e cuida, ao amor dito e feito, às carícias ontológicas, aos bastidores do ser, ao tempo sem balizas, ao fluir heraclitiano dos elementos na sua linguagem sempre invulgar, poética, bela e verdadeira.

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