Descartes afirma que foi persuadido pela Razão
a rejeitar todas as coisas em que se lhe depare qualquer razão de dúvida, tanto
“às abertamente falsas” como àquelas “que não são completamente certas e
indubitáveis”. Mostra-nos que não tem que analisar ou percorrer cada “uma em
particular”, já que seria uma tarefa ou trabalho sem fim. De facto, quando os “fundamentos”
de um edifício estiverem minados, todo o edifício ficará em risco de ruir. Por
isso Descartes afirma que atacará imediatamente todos os princípios em que se apoiava
tudo aquilo em que acreditava. É esse o início do processo da dúvida cuja
natureza é metódica, provisória, radical e hiperbólica. O alcance da dúvida
atinge todas as crenças e fundamentos. Descartes coloca tudo em dúvida,
inclusivamente a sua própria existência enquanto corpo e alma. Mas de que serve
duvidar assim, de uma forma tão radical? Qual a utilidade da dúvida? A dúvida é
necessária porque é uma tomada de consciência dos erros e ilusões que tolhem o
acesso à verdade e impedem o sujeito de atingir o conhecimento verdadeiro. É
radical porque não pode deixar nada de fora, nem mesmo as ideias de natureza
metafísica, que se encontram na base da “árvore da sabedoria”. Por conseguinte,
a utilidade da dúvida manifesta-se na medida em que ela permite encontrar
aquilo que resiste a toda a prova de desconfiança: o cogito, fundamento primeiro,
crença fundacional sobre a qual se pode erigir todo o edifício do conhecimento.
Pela dúvida Descartes encontra uma certeza inabalável pela qual vem a saber que
as ciências podem, guiadas pela Razão, conhecer verdadeiramente o mundo, criado
e mantido por Deus que garante a verdade.
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