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domingo, 7 de dezembro de 2014

argumentação e demonstração




     «Numa demonstração tudo é dado. (...) Na argumentação, pelo contrário, as premissas são instáveis.
     À medida que se vai argumentando, elas podem enriquecer-se; mas estas são sempre precárias, a intensidade com que lhes aderimos modifica-se. A ordem dos argumentos é pois ditada, em grande parte, pelo desejo de destacar novas premissas, de distinguir alguns elementos e de obter certos compromissos da parte do interlocutor.»
Chaïm Perelman e L. Olbrechts-Tyteca (1983), Traité de l’Argumentation, 4.ª éd., Bruxelles,

Editions de l’Université de Bruxelles, p. 65.


     Quando se afirma que na demonstração tudo é dado diz-se que não há aspetos marginais ou exteriores nessa forma de linguagem que possam interferir com o resultado ou conclusão a que se chega. Essa conclusão será sempre necessária e se partir de premissas verdadeiras será com certeza também verdadeira. Quando tudo é dado, nada é escondido. Trabalha-se intelectualmente no reino  da evidência, da objetividade, da possibilidade factível de consenso. Um pensamento demonstrativo será apenas uma aplicação rigorosa das leis da lógica, falemos nós da lógica aristotélica ou da lógica proposicional e é apenas legítimo ou aceitável se for válido. As premissas de uma demonstração  têm uma robustez que se baseia ou no pensamento abstrato, como é o caso da matemática, ou num pensamento objetivo, como é o caso do juízo de facto científico. A partir do momento em que há um consenso científico no que diz respeito ao conteúdo das proposições que servem de premissas às conclusões, estão criadas as condições para que haja estabilidade, esta é uma das principais características da demonstração, já que se baseia também num raciocínio dedutivo.

     Na argumentação, ao contrário da demonstração, encontramo-nos no domínio do preferível e do inevitável contexto que apresenta sempre equivocidade. Por isso se diz que as premissas podem mudar, são instáveis. Na argumentação existem muitos mais factores de "risco" de alteração de sentido. O que se diz tem um sentido efémero, é contextualizado quer sincronica quer diacronicamente e diz respeito não a um sentido ou a uma simples perspetiva da realidade, mas a múltiplas formas de perceção e de conceção. Quanto mais se argumenta melhor se argumenta porque o treino e o hábito a isso leva e assim admitimos que as premissas, mesmo que não mudem de um proceso argumentativo para outro, poderão enriquecer-se. Isto acontece devido à mudança de sentido à medida que vai germinando a compreensão, já que é esta que no essencial leva à adesão. A adesão a um conjunto de premissas numa argumentação leva à adesão à sua conclusão, mas a força e a intensidade com que aderimos pode alterar-se. Deste modo a ordem dos argumentos, isto é, a sua prioridade, a sua hierarquia, o seu valor, o seu tempo, são determinados pelo  desejo de evidenciar premissas até aí não conhecidas: a novidade. Quando um determinado argumentário perde força, o argumentador tende a criar novas premissas, mesmo que seja para destacar a mesma conclusão. A argumentação baseia-se na relação que há entre o auditório e o orador, na equivocidade própia da linguagem natural, nela há sempre a necessidade do compromisso por parte do outro, o intelocutor, para que a argumentação em si própria faça sentido.

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