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sábado, 8 de dezembro de 2012

ruído

A carência do século XXI é a ausência de tempo e de espaço para a reflexão, para o exercício calmo e sereno do pensamento, para a fruição da poesia e da prosa, para o saborear da boa literatura.


No quotidiano, um pouco por todo o lado, desde as escolas aos hospitais, dos serviços de finanças aos da segurança social, há um ruído ensurdecedor onde aparentemente se fala muito e se diz pouco, onde se grita sem se saber porquê. Nas discotecas o ruído faz-se sentir de tal modo que aí se torna impossível conversar. Imensa e atroz nuvem de poluição sonora, talvez a mais grave forma de conspurcação do planeta de onde nascem todas as outras poluições.

A televisão é produtora de ruído, quando, na interrupção dos conteúdos dos programas, faz irromper a publicidade a um nível de som muito mais alto, trata as pessoas não como espectadores mas como consumidores, já que o importante para quem a detém não é a cultura nem a informação, mas antes o desígnio de vender tudo a toda a gente.

Transformam-se as pessoas em autómatos: irão comprar os produtos das marcas que irromperam  no mais elevado nível de ruído. Embrutecidos, manipulados e estupidificados, os "caros" telespectadores, perdendo a sua capacidade  crítica e a sua autonomia, engrossando o caudal das massas ignaras, tal como desejam os donos do mundo com a sua ideologia (dominante), que já hoje se designa por "pensamento único" ou não pensamento, encaram a angústia da aporia socio-existencial, apanhados pelas teias ultra-liberais.

Cada um se quer fazer ouvir mais alto, salientar-se da massa anónima, dizer, eu estou aqui,oiçam-me, olhem para mim, não sou como os outros, sou muito melhor.

Sobrevive-se nos píncaros do individualismo e "comunica-se" em consonância com ele. Perpassa pelas vidraças das barreiras da nossa consciência  a constante dissonância cognitiva, individual e social. 


Precisa-se urgentemente de silêncio, de negação do ruído. No tempo da nossa vida, para muitos demasiado curta, o silêncio dá-nos quase tudo o que necessitamos para encontrarmos o sentido de tudo, da nossa existência e da dos nossos semelhantes, do princípio e da finalidade do universo, enigmas primeiros e últimos, perpetuamente escondidos numa eventual teoria de tudo.

Para além do silêncio há a música, a arte das musas, de combinar os sons e os silêncios numa sequência organizada no horizonte temporal. Também as palavras são música e é delas que tudo nasce. O ritmo, a prosódia, a musicalidade, o silêncio de pontos e vírgulas, as sílabas e as palavras, as colcheias, as breves e as semi-breves, as pausas de quem escreve ou fala numa cadência criativa: o antí-ruído. 

Para  o problema terrível do século XXI,o ruído ensurdecedor, há remédios: música, palavra, silêncio. A  arquitetura do presente e do futuro poderá ser a nova "santíssima trindade": silêncio, música, palavra. Não será necessária uma teoria de tudo para encontrar o sentido da vida e sentir  prazer na existência.

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