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quarta-feira, 28 de março de 2012

metafísica




A luz iridescente diz-me que o mundo
Não é a preto e branco.
Golpes de espada incandescente
Ardem na pele que me protege.
O mundo está aí: guerra e paz, amor e ódio, tristeza e alegria.
Os fios de nuvens emanam uma réstia de cebolas.
Lágrimas, solução aquosa de cloreto de sódio,
Nascem da fonte da amargura, escorrem deliberadamente no final feliz
Do filme do cinema da avenida.
Tudo são objetos multiformes,
Mudança que mal se vê,
Que mal muda,
Que muda mal.
Autoestradas, nuvens virtuais, segundas vidas. (second life)
Tão difícil governar o meu mundo.
E o dinheiro, o perlimpimpim, a agnosia, a magia.
A neve artificial no carnaval.
O gelo dos dias secos.
As manchas na pele e os pelos
A crescerem como erva daninha para arrancar e para cortar.
O tédio dos dias cansativos, extenuantes, sem brilho e sem silêncio.
É este sem sentido o sentido sentido.
Aí está, afinal de contas, a metafísica.
O não sentir nada, o não querer saber.
Se há mundo, beijos, árvores e boa comida.
Olhares diretos e discretos.
Intenções, ações e melindres.
Gestos e insinuações.
Descobrimentos e aventuras.
Viagens do passado e do futuro.
Há cidades cintilantes, navios urgentes, rios caudalosos.
Cinemas e teatros, concertos e provas de vinho, estuários
E rochas, gaivotas, gatos e hienas.
Tudo sabe a metafísica, a verdadeira realidade.
Por isso há que correr o mundo, fugir do nada
Como as línguas de fogo que naufragam as naus.
Como as nuvens altas, divinas, que só querem pairar
Para ver como param as modas
Para os deuses saberem como loucos são os homens e as mulheres
Que não decidem nada
Que não são donos de nada
Que têm os sonhos todos
Que não têm sonhos nenhuns.
Quanto não vale a metafísica.
Não fora ela e lançar-me-ia no abismo
E entraria definitivamente na história do nada.
Não somos nada, viemos do nada e para o nada vamos.
Existimos como as pedras que caem quando as lançam
E não gemem quando as pisam.
É este o nosso sentido. O não haver sentido nenhum.
O viver acabrunhado, ai a crise de valores, ai a crise económica.
Ai  o Papa a beijar a mão do fidel castro por amor do ópio do povo.
É isto que nos alimenta, a vertigem da náusea que está em todo o lado.
Na broca do dentista que nunca mais para, nas páginas da náusea do sartre,
No vómito da criança que devolve o que não quer, na metafísica do Schopenhauer.
No cão que treme de frio e de tristeza porque o amordaçaram para não ladrar,
Para não incomodar, para não suscitar a sensibilidade fina dos vizinhos.
E a lei no papel fabricado pelos operários mal pagos da fábrica da encosta da serra
Que engole a água e não deixa viver os peixes.
E os cheques em branco que todos os dias passamos, de tudo a todos.
A ignomínia, o dislate, a estupidez que não é crime.
O desvario, a impotência, a opinião pública, a opinião publicada.
A merda, que não é apenas uma questão das moscas.
As alfaces, tão bonitas, tão verdinhas, tão frescas, a crescerem na merda sem metafísica.
A metafísica não se vê, mas ela acaba por ser a única razão de viver, ou a única razão de não morrer.
É límpida como o paraíso, bela como a utopia.
Ai se não fosse ela.
Estaríamos aqui sem pensamento ou pensando que as coisas têm uma finalidade
Quando a única finalidade é elas não terem finalidade nenhuma.
Pensaríamos nos príncipes encantados com suas princesas dos contos de fadas, nos castelos da nobreza.
 Pensaríamos numa ligação entre o corpo e a alma.
Que vãs ilusões traríamos no bolso para resolver todos os problemas.
A quadratura do círculo, as criancinhas a morrer de fome no corno de áfrica, a miséria nas ruas de paris, de lisboa e do cairo.
E a miséria que não se vê. E a miséria que se inventa para justificar a tendência genuína da prática da caridadezinha.
Não fora a metafísica e estaríamos aí todos alinhadinhos, pobrezinhos e asseadinhos na fila da sopa dos sem-abrigo.
Não fora a metafísica e estaríamos todos de arma em punho a defender a gloriosa nação, a pátria e a mátria, à beira das trincheiras para tombarmos e apodrecermos e sermos servidos mortos como se servem os heróis.

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