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sábado, 4 de maio de 2013

grito de Munch

O Grito
"Skrik"'
AutorEdvard Munch
Data1893
TécnicaÓleo sobre telaTêmpera e Pastel sobre cartão
Dimensões91 centímetro x 73,5 centímetro

boca
língua
amor
beijo


coração
que arde 
forja
enlace

das mãos
dos braços
das pernas 
dos pés

o amor,
tão contrário
a si próprio
tão finito
tão infinito
como a dor

do grito.




democracia



http://esohistoria.blogspot.pt/2012/01/democracia-ateniense.html


Nasceu na Gécia antiga há cerca de dois mil e quinhentos anos. Significava o poder do povo -demo (povo) e kratos (poder) reservado à totalidade daqueles que eram considerados cidadãos. Exercia-se de uma forma direta. Todos os problemas importantes para a cidade eram discutidos na ágora (praça pública) e as propostas de resolução submetidas à votação onde participavam todos os cidadãos. Tratava-se de uma forma de democracia direta, talvez aquela que verdadeiramente se pode considerar democrática. Baseava-se na cidadania, no conhecimento, no respeito mútuo, na argumentação e na soma das vontades. Sabemos que em Atenas, nessa época, apenas uma pequena parte da população era considerada cidadã. Haverá razões históricas para que assim fosse, de fora ficavam as mulheres, os escravos e os metecos. De qualquer forma o embrião, o princípio da democracia, eclodiu e produziu resultados notáveis ao longo de mais de dois mil e quinhentos anos: a magna carta, a revolução francesa, a revolução americana, a revolução russa, as monarquias constitucionais, as repúblicas populares, os direitos humanos e todas as constituições que os respeitam.
 A perversão da democracia originou regimes sócio-políticos que contrariaram o que de mais nobre pode existir numa sociedade: a liberdade, a igualdade, a fraternidade, a justiça. E essa perversão é em primeiro lugar uma neurose circunscrita, que através da propaganda, onde incluímos também muita publicidade, se vai generalizando e abarcando um universo de pessoas cada vez maior. Surgem então fenómenos degradantes em que o chefe é idolatrado porque divinizado: o chamado culto da personalidade.

A degradação da democracia é a corrupção da cidadania, a doença social do cidadão, a ausência da capacidade e da prática da decisão de tudo o que é importante para a vida da comunidade. A partir do momento em que tal acontece, está aberto o caminho para a dissonância violenta entre cidadãos (que deixaram de o ser) ou  entre grupos de interesses instalados através de um fenómeno preocupante que é o corporativismo. 

O crescimento desmesurado das cidades, que teima em não parar, leva a agregados populacionais de altíssima complexidade relacional, a uma anomia brutal que acaba por negar a possibilidade da intervenção cidadã. Nunca tanta gente se conheceu tão pouco, é um aforismo da sociologia moderna que reconhecemos como verdadeiro. 

A democracia originária é a democracia direta, por isso, com o modelo de desenvolvimento global de agregar pessoas aos milhões em mega pólis ela tornou-se uma impossibilidade lógica. A chamada democracia representativa poderia, de algum modo, substituir a democracia direta, caso a relação entre eleitos e eleitores fosse de absoluto respeito e baseada numa proxémia razoável (uma relação entre iguais através da fala sem intermédio de tecnologias de amplificação). Sabemos também que a democracia representativa sofre de ancilose, uma vez que não é o conhecimento e a sabedoria o critério para a proposição dos representantes dos eleitores (cidadãos).

A democracia é a reflexão, a deliberação e a execução das decisões tomadas pelos cidadãos num tempo útil em que os próprios são responsáveis por todo o processo desde a ideia até á prática,  até à materialização do projeto decidido. A democracia não é compatível com a alienação da cidadania em nenhum momento, ela realiza-se hora a hora, ininterruptamente em todo o lado, principalmente na esfera pública e é ao mesmo tempo ela que decide o que é que é ou não é público e o que deve ser ou não ser privado. A democracia tem por sustento um exercício de ética universal (ninguém fica de fora), é o regime por excelência de conquistar a todo o momento o caminho para a utopia, pela negação sistemática da distopia.

No século XXI, em plena crise das democracias representativas podemos repensar se não valerá a pena regressar às origens e tudo fazer para desviar o caminho que se trilha, em que os verdadeiros decisores não são os eleitos, nem os representantes dos cidadãos, mas os próprios cidadãos. Veja-se por exemplo o que acontece no Portugal de agora e nos países do Sul da Europa: quem decide é quem escolheu os representantes do fundo monetário internacional, do banco central europeu e da comissão europeia. Quem elegeu  estes "governantes"? Não foi decerto o povo através de sufrágio universal baseado na discussão racional de um projeto. Foram, eventualmente, os donos dos mercados financeiros, o grupo de Bildelberg e outros muito poderosos, mas ocultos. 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

1.º de maio


entra tristeza
no coração
que pode bater
cem mil e oitocentas vezes
por dia.
muito mais bateria
se dele não saísse a alegria
que corresponderia com exatidão
à grande festa 
do suor, das lágrimas salgadas
de quem a trabalhar vive
demiurgo do mundo
que sofre e caminha
e projeta e quer tão somente
ser humildemente feliz

a tristeza não entraria
nem sequer existiria
uma única criança
uma só pessoa
em nenhuma parte do mundo
coisificada, maltratada, abandonada
e no primeiro dia do mês de maio
jamais alguém obedeceria a ordens
e só seria livre como os pássaros
de grandes asas na natureza.

o coração bateria muito mais
e a festa seria enorme 
e em todas as latitudes e 
nunca mais se ouviriam as palavras
exploração, censura, mentira, violência,
medo, morte, ignorância, opressão

ainda tenho a esperança 
de uma festa mundial
do dia do trabalhador
sem dor e com muito divertimento
bondade, música e danças
sem preconceitos ideológicos
como as crianças. 

domingo, 21 de abril de 2013

matar o tempo



Representação de Cronos e Reia num baixo-relevo romano.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cronos

o marcador neural da consciência, tempo,
dura trezentos milissegundos.
um segundo, sexagésima parte
de um minuto, sexagésima parte
de uma hora, vinte e quatro avos
de um dia, trezentos e sessenta e seis avos
de um ano, uma revolução em torno do sol.

o inconsciente
deriva para o consciente
por etapas intermédias
até se fazer luz.
lucidez, lucifer, vermelho, inferno
vénus romano, deus fogo.

cronos-saturno castrou o pai
a pedido de sua mãe
com um golpe de foice.
engolia os seus próprios filhos.
destronado por zeus-jupiter
que o prendeu com correntes 
no mundo subterrâneo.

não se vê mas é ele que tudo pode
é ele que tudo contém e que em tudo está contido
nem Nietzsche o conseguiria matar.
critério supremo da consciência,
tudo o que está escrito e se escreverá 
não passa de uma interminável 
tentativa para o assassinar.

terça-feira, 16 de abril de 2013

gripe

passeiam-se por aqui
os bichinhos no corpo
que eu sou, que eu não tenho.
vírus, bactérias, água
viscosidades nas floras internas
interstícios invisíveis.

a transcendentalidade evola-se
os olhos minguam, choram apertados
as mãos temem, o coração treme
os lábios não beijam, as articulações
desarticuladas, qual bebé
tropeçando em tudo
assim sou eu todo engripado.





sexta-feira, 12 de abril de 2013

cansaço


http://devaneiosdamadruga.blogspot.pt/2011/05/cansaco-mental.html


é sexta-feira
dia do cansaço
dia da véspera
do abraço
dos dedos
constipados
ensonados
fatigados
doridos
mal dormidos.
se eu já tivesse morrido
toda a minha vida
já não teria sentido
saberia
o que sei
céu é nada
inferno nada é
nada existe
tudo é sonho
todo o sonho é ilusão
toda a ilusão é involuntária
toda a vontade é uma quimera
toda a quimera é uma besta mitológica
que lança fogo pelas narinas
não gosta de tangerinas.
mas, ai, eu gosto tanto delas
doces ou agridoces
ácidas, verdes, laranjas
amarelas como as aguarelas
para pintar limões
que custam só cinco tostões.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

alturas




ouvi dizer a gente muito importante,
é preciso estar à altura.
à altura de quê?
das circunstâncias.
não sabia que as circunstâncias
tinham medida.
à altura das responsabilidades?
têm nível as obrigações e os deveres?
que nível têm os pés assentes na terra?
ai que tamanha a mania das escalas
sociais, económicas, financeiras
culturais, atitudinais, educativas, da inteligência.
tanta escalada
tanto querer subir
cada vez mais alto
ao evereste da sociedade.
quem vai ao topo do kilimanjaro
vê mais longe
mas não enxerga as formigas
que trabalham, trabalham.
está tão alto e por isso
não vê a realidade
senão de uma forma abstrata
não sente a poesia a fumegar
da terra, não compreende a formação do húmus
e também não enxerga melhor as estrelas
nem os planetas nem as galáxias.
quem está tão alto
quando defeca suja os outros de imundície
sente-se um deus
não percebe a que sabe
a sopa gata ou a açorda dos pobres
não sente o brilho dos olhos dos velhos e das crianças.
quem subiu tão alto até se considera acima da lei.
por isso vive num mundo sem rei nem roque,
sem ordem e sem beleza
conspirando contra os deuses
desconfiando de tudo e de todos
como desconfia absolutamente de si
e toma o todo pela parte e a parte pelo todo
e semeia o caos e a fuligem e a morte
porque acha que tudo tem um preço financeiro
e com ele tudo se pode comprar, tudo se pode pagar
tudo se pode dominar, até mesmo o próprio deus 
ou os deuses caso haja mais do que um.
quanto custa a nuvem do céu, a árvore do campo,
o marulhar do riacho, o barbo do ribeiro da minha aldeia?
não estão à venda, por isso não custam nada
e o que nada custa não tem preço 
como os beijos, as carícias, os abraços e os olhos a jogar ao sério.
estão à altura apenas de quem tem os pés assentes na terra.