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quinta-feira, 4 de abril de 2013

alturas




ouvi dizer a gente muito importante,
é preciso estar à altura.
à altura de quê?
das circunstâncias.
não sabia que as circunstâncias
tinham medida.
à altura das responsabilidades?
têm nível as obrigações e os deveres?
que nível têm os pés assentes na terra?
ai que tamanha a mania das escalas
sociais, económicas, financeiras
culturais, atitudinais, educativas, da inteligência.
tanta escalada
tanto querer subir
cada vez mais alto
ao evereste da sociedade.
quem vai ao topo do kilimanjaro
vê mais longe
mas não enxerga as formigas
que trabalham, trabalham.
está tão alto e por isso
não vê a realidade
senão de uma forma abstrata
não sente a poesia a fumegar
da terra, não compreende a formação do húmus
e também não enxerga melhor as estrelas
nem os planetas nem as galáxias.
quem está tão alto
quando defeca suja os outros de imundície
sente-se um deus
não percebe a que sabe
a sopa gata ou a açorda dos pobres
não sente o brilho dos olhos dos velhos e das crianças.
quem subiu tão alto até se considera acima da lei.
por isso vive num mundo sem rei nem roque,
sem ordem e sem beleza
conspirando contra os deuses
desconfiando de tudo e de todos
como desconfia absolutamente de si
e toma o todo pela parte e a parte pelo todo
e semeia o caos e a fuligem e a morte
porque acha que tudo tem um preço financeiro
e com ele tudo se pode comprar, tudo se pode pagar
tudo se pode dominar, até mesmo o próprio deus 
ou os deuses caso haja mais do que um.
quanto custa a nuvem do céu, a árvore do campo,
o marulhar do riacho, o barbo do ribeiro da minha aldeia?
não estão à venda, por isso não custam nada
e o que nada custa não tem preço 
como os beijos, as carícias, os abraços e os olhos a jogar ao sério.
estão à altura apenas de quem tem os pés assentes na terra.

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