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domingo, 18 de julho de 2021

AMAR UMA PEDRA

Como nos sonhos, passo o tempo a inventar porquês.

Indiferentes, os eletrões, o sol, a via láctea,

continuarão por aí, sem consciência, julgo eu, 

indiferentes à vida, à morte e ao sentido de tudo isto.

E se o sentido da vida for ela não ter sentido nenhum?

O universo, como a vida, é mortal e finito,

mas a invenção de porquês continua.

Nenhuma resposta existe fora de nós.

Na aflição da consciência, ora leve ora pesada, 

descobrimos o valor, o significado e  o propósito, 

pouco mais do que teatros, comédias e tragédias. 

Mas o mundo continua a vibrar, como cordas de alaúde,

e nós, ao vibrarmos com ele, sentimos a impressão

da liberdade, como Fernão Capelo Gaivota, voando 

ou Fernão Mendes Pinto, peregrinando.

Liberdade sem livre-arbítrio, 

ser e não ser, ao contrário de Hamlet.

Ai que bom sentir a manhã  de água fresca,

realidade e ilusão verdadeira e boa.

Submergido como uma  tremelga, 

vou descarregando choques  elétricos nos outros

e recebo os ricochetes na justa medida, 

não há dar sem receber, principalmente 

quando se oferece o desassossego.

Às vezes, irritado, anseio por um mundo

onde seja natural até, amar uma pedra.


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