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sábado, 28 de fevereiro de 2015

dilema moral

     A vida humana com toda a  sua complexidade é um viveiro de dilemas. Não há como fugir-lhes. Vivemos no presente, na ponte efémera entre o passado e o futuro, tempos que não existem. Viver consiste em decidir constantemente, não podemos não escolher. Para cada passo dado, gesto realizado ou  olhar orientado, há antes uma miríade de possibilidades. Cada escolha nossa consiste numa negação sucessiva de todas as possibilidades até ao momento em que apenas temos duas e aí, na última etapa da decisão, encontramo-nos perante um dilema que tem sempre, queiramos ou não, uma conotação moral.  Cada escolha nossa é sempre uma resposta existencial a perguntas implícitas ou explícitas: faço ou não faço, vou ou não vou? Ao mesmo tempo cada passo dado é sempre o fundamento do não ser de todas as outras possibilidades. Por isso a vida pode definir-se como uma série quase infindável de dilemas morais.
      O que fazer quando temos de decidir numa situação em que está em causa, não apenas a nossa vida mas também a vida dos outros? Imagine-se que alguém presenciou um acidente em que houve um atropelamento de uma pessoa e que o condutor do automóvel se pôs em fuga. Houve tempo suficiente para registar a matrícula do automóvel. Podemos denunciar o condutor, com tudo o que tal decisão acarreta como, por exemplo, ir a tribunal. Mas também podemos não denunciar a situação e fingirmos que não vimos nada. Contudo, como entes racionais que somos e por possuirmos consciência moral nem sequer nos é possível fingir que não fomos testemunhas de um acontecimento. Mesmo que não denunciemos a situação a memória dos factos poderá acompanhar-nos enquanto existirmos. Não é possível, como seres racionais iguais a todos os outros seres racionais, não sermos afetados pelo outro que é ao mesmo tempo um alter ego, pelo que se decidirmos denunciar a ocorrência mostramos um absoluto respeito pela humanidade, procurando que se faça justiça numa situação que merece ser reparada e que está absolutamente dependente de nós. Se decidirmos não fazer nada perante a situação, que é de manifesta injustiça, com certeza que o remorso e até mesmo o arrependimento nos acompanhará durante muito tempo, incomodando-nos na nossa vida transcendental pela afetação da nossa consciência.   
      Independentemente do tipo de moral em que nos revemos, seja formal ou material, deontológica ou teleológica, a decisão nesta situação teria de ser de denúncia e de cuidar da pessoa atropelada. Ao cuidar do outro, não estamos apenas a cuidar de uma pessoa, mas de um representante da humanidade a cujo conjunto pertencemos.

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