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terça-feira, 1 de outubro de 2013

sinais dos tempos i

Vivemos em crise. As ruas das vilas e das cidades cada vez mais povoadas de gente a correr sem tempo para nada. As lojas, os cafés, os restaurantes, os consultórios, os cabeleireiros, as manicuras dessas artérias (que nome bonito, no sistema circulatório, são elas que transportam o sangue oxigenado, se não me falha a memória) encontram-se cada vez mais fechadas, mais inertes. Trespassa-se, vende-se, aluga-se, fechado, encerrado. Para onde vão as pessoas que aí trabalharam? Que vidas seguiram? Emigraram, foram parar à sopa dos pobres, arranjaram um trabalho de oito horas por dia e duzentos euros ao mês, suicidaram-se? Este assombro podemos constatá-lo e parece irreversível. Estamos na era da internet, da fast-food, da precarização. Tudo é descartável, os seres humanos já não pertencem a essa miragem que se chamou humanidade. Ser humano é agora também isto, estar preparado para uma ignara reciclagem a qualquer momento. Os cómicos dizem-nos, as pilhas para o pilhão, o vidro para o vidrão, os velhos para o velhão. E nós ainda sorrimos de sorriso cáustico como se tivéssemos engolido à força óleo de fígado de bacalhau. E continuamos a dança da vida adiada, com mais horas de trabalho, menos tempo de convívio com os nossos pares e amigos, fugases momentos de família, menos poder de aquisição. Não há tempo para nada. E se tivermos a ousadia de tomar um café e saborear um pastel de nata na esplanada ainda nos arriscamos a ser condenados em público por ociosidade, por preguiça, por viver acima das possibilidades, por indigência. A tendência para mais trabalho para menos gente e desemprego forçado para cada vez maiores multidões acentua-se todos os dias. As máquinas, essa parafernália de inteligência artificial, vão vertiginosamente retirando lugares de trabalho às pessoas. Computadores, robôs, redes e linhas de produção automatizadas substituem sistematicamente o trabalho humano. Muitos seres humanos deixaram de fazer falta ao sistema produtivo. São descartados, lançados no lixo social, abandonados à sua sorte, num mundo onde uma em cada oito pessoas sofre de subnutrição aguda, onde cresce inexoravelmente o número de pobres nos países desenvolvidos.
A caixa de pandora que libertou todos os males contém  fechada a esperança, a única coisa que resta aos oprimidos e alienados. Não se compreende porque não se aproveitou a inteligência humana que descobriu as leis da natureza e com elas criou tecnologias que substituiriam o trabalho humano monótono e repetitivo. Não se entende por que é que as máquinas substituem efetivamente as pessoas nessas tarefas e não as libertam para aquilo que pode ser verdadeiramente humano: a arte, a cultura, as viagens, o turismo, o lazer, a literatura, a música e a poesia, o desporto e a ciência. A tendência continua a ser a desumanidade e a alienação. O sistema de distribuição das riquezas torna alguns obesos mórbidos e lança na fome milhões. Podemos assistir a tudo isto sem nada fazer, como se fôssemos cúmplices do mais hediondo dos crimes e permanecêssemos caladinhos? E quando chegar a nossa vez? Gritaremos aos quatro ventos que ninguém nos salva? Que fazemos nós aqui e agora para nos salvarmos?

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