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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

sinais dos tempos ii

 E quando chegar a nossa vez? Achamos ingenuamente que a nossa vez não chegará. Somos competentes, mentalmente saudáveis, damos o  nosso melhor todos os dias, temos esperança, vivemos num pequeno país onde o índice de desenvolvimento nos coloca em 43.º lugar a nível mundial, num mundo de duzentas e seis nações. Encontramo-nos muito acima da média. Mas também é um facto que temos descido nos últimos tempos, somos aliás, um dos poucos países que em termos mundiais tem vindo a descer. Esta descida aos infernos para muitos é uma aparente subida aos céus para alguns. Jovens altamente especializados que entraram no mundo do trabalho pouco depois dos vinte anos e que agora perfazem entre trinta e quarenta anos de idade regressam a casa dos pais com o desemprego nas mãos depois de quinze ou vinte anos de trabalho numa carreira incerta.

A capacidade instalada por unidade de produção industrial portuguesa que ainda resta aumentou exponencialmente nos últimos trinta anos. Uma empresa que há trinta anos dava trabalho a mil operários, hoje, na segunda década do século XXI, com um quarto dos "colaboradores", consegue produzir dez vezes mais: resultado da laboração contínua, vinte e quatro horas por dia, e da automação imposta pela redução de custos. De facto as linhas automatizadas, os robôs e os computadores não dormem, não adoecem, não envelhecem, não precisam da segurança social ou do serviço de saúde, não protestam, não fazem greve, não têm filhos nem pais para cuidar, não pensam.

 Para onde foram os outros três quartos de pessoas? Uns para trabalhos precários, ao quilómetro, à peça, ao dia, ao mês, à semana, no nosso país, outros para a emigração e outros muitos ainda para o desemprego estrutural ou de longa duração. O tempo da rebelião das massas de que nos falava o filósofo espanhol Ortega Y Gasset parece estar a chegar ao fim. O enfraquecimento individual em termos culturais e económicos leva a um rede social cada vez mais ténue, à quebra de solidariedades, ao entorpecimento da criatividade, à anomia, ao desespero, à revolta desorientada. Parece portanto que este não é o caminho da luta contra o absurdo mal estar desta civilização. Talvez valha a pena tentar o inverso: colocar as novas tecnologias ao serviço de todos e não apenas de alguns. Estes não deixariam de viver bem e provavelmente a sua vida alcançaria um sentido mais pregnante e de redobrado interesse.

Qual é o sentido de ser dono do mundo? Ninguém o será. A história já mostrou abundantemente a glória e a miséria de muitos que, devendo tudo à humildade, sucumbiram num processo que os levou dos píncaros da fama e do poder para o poço sem fundo do esquecimento e da degradação mais abjeta, veja-se, por exemplo, os grandes ditadores como Mussolini ou Hitler e mais recentemente Saddam Hussein, Kadafi, o empresário britânico Robert Maxwell ou o banqueiro Bernard Madoff.

Há quinze anos atrás discutia-se nos meios do trabalho, tanto os dirigentes das empresas públicas como os das privadas, tanto os partidos políticos como os sindicatos, a altíssima probabilidade da necessidade de se reduzir o horário de trabalho para todos os que viviam exclusivamente dos rendimentos relalivos ao seu próprio labor. Seriam trinta horas semanais, vinte e cinco, vinte e duas. Manter-se-iam os rendimentos e aumentar-se-iam os salários agora indignos e investir-se-ia, de uma forma gradual e sustentável, na educação e na cultura. Através de um excelente sistema fiscal e de um estado forte (o Estado deve representar todos os cidadãos) corrigir-se-iam profundas desigualdades. Potenciar-se-ia a iniciativa pública e privada, surgiriam novas formas de atividade económica fundamentalmente baseadas na diversidade cultural.

Seria o modo de reduzir o número dos sem ocupação com vista ao pleno emprego e de, ao mesmo tempo, libertar mais tempo a cada um para o que dá sentido à vida da maioria dos cidadãos: arte, ciência e cultura, amigos, família. Mas, para tal seria necessário encontrar no poder decisório alguém que representasse efetivamente esta legítima pretensão, que é uma necessidade popular. Isso não aconteceu, o que mostra que há uma verdadeira crise de participação cidadã e uma crise de representação.

William Shakspeare (1564-1616), genialmente reconheceu que o mundo é um grande palco onde os homens e as mulheres são atores. Estes representam representando-se a si próprios e aos outros que aparentemente neles depositaram a confiança. Mas quebrou-se o elo de verdade entre o príncípio da ação e o ator, o que levou a um péssima representação. Muitos homens e mulheres tornaram-se maus atores, nomedamente muitos dirigentes políticos que um pouco por todo o mundo já não representam nada ou então representam apenas o poder de uma realidade: o dinheiro e a alta finança.

 Por isso, como o nada é o vazio, encontramo-nos em plena era do vazio como profetizou o filósofo francês Gilles Lipovetsky num dos seus ensaios sobre o individualismo contemporâneo. O caminho a seguir será com certeza aquele que nos leva à saída do consumismo e do individualismo com vista à entrada no consumo ponderado e moderado e à solidariedade social e intergeracional.

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