Numa aula de moral e religião,
há muitos anos,
um amigo meu, de doze anos,
respondeu ao padre,
depois de este ter dito
que a confissão nos deixa
a alma mais limpa:
pudera, é como o OMO,
lava tudo mais branco.
O presbítero chamou-o,
deu-lhe duas fortes bofetadas
à frente da turma
e mandou-o para a rua
de castigo, em penitência.
Estranhei muito o sucedido
e não me resignei, fiquei
revoltado com a situação
do meu amigo.
Esta memória ocorreu-me
a propósito de sentir
que vivemos num mundo
onde há muita sujidade
e um evidente, constante
e excessivo apelo à higiene.
Há quem derrube árvores
porque acha que sujam muito
as ruas e os quintais,
quem espalhe cartazes
com cruzes sobre o retrato
de quem é para eliminar
dizendo que é preciso
fazer uma limpeza.
Há também quem decida
e pratique o genocídio
como se fosseu um ato de higienização
do mundo.
A comunicação social dominada
é também expressão deste estado
de coisas, trata uns como pessoas
muito importantes e outros
como se fossem insetos
incómodos e insignificantes,
numa lógica de lavagem ao cérebro
para gáudio de uns quantos
gananciosos que se autointitulam
com o direito divino
de serem os donos do mundo.
Há sem dúvida
higiene e limpeza a mais.
Por isso aqui fica
um apelo à compreensão da sujidade
e ao lançamento de uma campanha
mundial para erguer uma estátua
de homenagem ao poema sujo.
Foto: desenho de Emília Nadal, 1976, exposto no Museu Soares dos Reis, Porto, 28 de julho de 2024
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