Na república romana, implantada a partir de 509 a. C., Roma procurou o equilíbrio entre três poderes: Magistratura Política, Senado e Comício da plebe. Quando havia uma crise profunda, os cônsules, magistrados supremos, escolhiam um ditador para a resolver num prazo de seis meses findos os quais era obrigado a abdicar e a sair de cena. O Senado podia declarar o estado de crise profunda quando a situação se agravava muito mais e proclamava o regime de anomia, as leis deixavam de existir e aí, um novo ditador, nomeado pelos magistrados supremos, gozava de uma margem de manobra de total liberdade para impor as soluções para a crise. Esta forma de resolver as crises políticas durou até 27 a. C. quando Octávio se tornou imperador e recebeu o título de Augusto concentrando em si próprio todos os poderes. Criou-se assim o regime imperial que levou ao culto do imperador, sacerdote supremo.
Atualmente, mesmo nas chamadas democracias "avançadas" ocidentais, onde também se inclui Portugal, vive-se um regime semelhante. Há uma crise política profunda que tem origem numa crise de valores, impera a desconfiança, a inveja, o medo, o caciquismo, a pequena e grande corrupção, o perdão fiscal, o descontrolo das competências fundamentais do Estado. A excepção tornou-se regra, a alteração da regra não sufragada é, portanto, ilegítima.
Nada disto é novo, Émile Durkheim (1858-1917) falava de anomia no seu livro O suicídio, de 1897, para mostrar que na sociedade há algo que não funciona de forma harmónica e também Robert King Merton (1910-2003) no livro Estrutura Social e Anomia, de 1949, para explicar a incapacidade de se atingirem objetivos culturais devido à demissão do Estado no plano cultural, o que leva necessariamente a condutas desviantes.
Em Portugal não há ministério da cultura, o que significa que quem gere o Estado não tem nenhum objetivo cultural. Não há política de língua, não há política educativa, o investimento nas artes e nas ciências é residual, cerca de 0,2% das despesas totais do Orçamento Geral do Estado. A crise só poderia ser debelada com maior investimento na cultura, com mais tempo de lazer para os cidadãos que se conseguiria distribuindo o trabalho por todos e não apenas por alguns. "Estranhamente" parece querer resolver-se a crise com medidas ao contrário das necessidades.
O último governo de Portugal, desde que foi nomeado pelo Presidente da República, dedicou-se a semear a anomia, veja-se a quantidade de leis que não são leis, sendo que algumas já foram declaradas fora da Lei (Constituição da República) várias vezes pelo tribunal constitucional. Parece que recuámos no tempo e andámos para trás mais de dois mil anos.