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quarta-feira, 24 de julho de 2024

O tempo

Diz-se que o tempo

nos devora como Cronos

devorava os filhos.

Mesmo assim

somos mais fortes do que ele:

muitos dias já se foram

e nós cá continuamos.

Não devoramos os filhos, 

não somos canibais.

Eles é que parecem, 

por vezes, querer-nos devorar

como bebés sôfregos

 a beber o leite dos seios das mães.

Não os levamos a mal por isso,

são o futuro, 

vida para além do agora. 

O presente, maior do que tudo 

o que se pode imaginar,

é sentir a vida como quando

se lê o poema pela primeira vez,

como a força do choro

do recém-nascido

que ecoa nos vórtices da vida.

O presente é cumprir,

como Aristóteles dizia, 

a causa final da humanidade,

tão só a felicidade.





terça-feira, 16 de julho de 2024

Presidente

O presidente diz,

"Vejo com bons olhos a abertura

dos partidos ao diálogo com tempo."

O presidente egocêntrico, fala de si

próprio e diz que tem bons olhos.

Considera-se visionário, 

vê a abertura dos partidos,

que eventualmente, 

mais ninguém vê.

O diálogo vem lá e entra nos partidos

através de uma brecha.

O presidente diz 

que o diálogo tem tempo,

como se pudesse haver 

diálogo sem tempo.

Diz que o orçamento

deve trazer estabilidade ao país.

Um orçamento com dois pratos 

e um ponteiro a  servir de fiel, 

para dar equilíbrio ao país,

firme e hirto como uma barra de ferro.

Temos um presidente 

tão arguto, tão bom, 

tão inteligentesinho.




segunda-feira, 15 de julho de 2024

Passado

Tudo está em tudo

como dizia o velho Anaxágoras

de Clazómenas.

Foi dos primeiros a duvidar

de que o Sol era um deus

e  de que a Lua era uma deusa.

O Sol seria mais como uma pedra quente

e a Lua como uma terra 

que avistamos ao longe.

Por isso foi preso e castigado.

Ontem, ao passear em boa companhia

nas ruínas de Ammaia,

senti o calor da pedra vermelha

de Anaxágoras enquanto

viajava ao passado 

de há dois mil anos.

À noite avistei a Lua, 

a partir do quintal

da casa onde moro

e vi nela uma terra distante.

Viajei ainda mais 

quinhentos anos para trás.

Foi um dia maravilhoso,

descobri, tal como Anaxágoras,

que podemos estar a ver e a sentir

tudo em todo o lado.