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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

cabotagem

     
    Estou tão habituado ao céu estrelado acima de mim e, eventualmente, à lei moral em mim, que me perco constantemente na perceção da existência como navegante no mundo onde há um mar de gente. Amo a navegação à vista e raramente utilizo o periscópio da alma: aprecio os navegadores que olham mais para a terra do que para o mar, como o veneziano Sebastião Caboto do século XVI que entrou no rio Prata em busca da mítica Serra da Prata na América do Sul. Foi-lhe reconhecido de tal forma o feito, que se batizou com o seu nome uma maneira de navegar, a cabotagem. Velejar no mar sem entrar nos rios é por ventura andar mais perdido e errante. O grande rio emudece no mar onde outras vozes se levantam, a sua morte engrandece o horizonte.
     É na terra que os rios são rios, águas passadas, presentes e futuras. Só nela temos a oportunidade de destruir os ídolos porque têm pés de barro. Às vezes sinto-me um cabotino quase silencioso na consciência de que mais do isto não posso ser, dada a minha ignorância e cegueira, por excesso de luz ou por falta dela. Sou um saltimbanco existencial sem rito enquanto Cronos me devora as entranhas na espuma dos sentimentos,

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